Por:
Henrique Braga
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É praticamente impossível
ser contra a reação de Daniel Alves. Diante do de sempre, ele respondeu com o
inusitado. Atirar bananas e imitar macacos são ofensas racistas nada
surpreendentes nos estádios de futebol, por mais que devam causar espanto.
Acontecem com certa frequência na Europa e nem são privilégio do Velho Mundo,
como bem o sabem os jogadores Tinga e Grafite. Superando a mesmice, o deboche
espirituoso de Dani Alves, ao devorar o alimento, construiu um momento único,
original, desses que já nascem com lugar garantido na eternidade.
Se a altivez debochada de
Alves encanta, é difícil ver com o mesmo otimismo a reação de celebridades como
Luciano Huck e Angélica, macaqueando (com o perdão do termo) o atacante Neymar
Jr. Não apenas por revelar a fome de lucro da indústria cultural, capaz de
transformar as manifestações mais espontâneas do indivíduo em mercadorias
rentáveis, mas sobretudo pela suposta mensagem antirracismo propagada por tais
personalidades.
O pensador Theodor Adorno,
lá nos anos 60, advertia seus leitores de como as estrelas vazias são
fundamentais para que a Indústria Cultural (termo cunhado por ele e por
Horkheimer) consiga manipular seus consumidores. Neymar, Angélica e Huck, para
citar três casos, são belos exemplos: nenhum dos três jamais debateu o racismo;
nos programas de auditório de Angélica e Huck, jamais houve qualquer
preocupação em destacar figuras negras; o próprio Neymar, em entrevista a um
importante jornal paulista, declarou nunca ter sofrido racismo justamente por
não ser "preto" - um caso de, como tenho dito entre amigos, "não
negro por opção".
Normalmente alheias ao tema,
várias celebridades veem na projeção do gesto de Dani Alves uma chance perfeita
de, sem entrar em qualquer debate complexo e arriscado, "apoiar uma
causa" simpática, colocar-se em evidência e, por fim, seguir sendo
personalidades vazias, sem polêmica, sem questionamento, prontas para promover
a publicidade de um banco, de uma empresa de telefonia celular ou de qualquer
outro produto que as contrate. Não por acaso, ao que tudo indica, a "campanha"
que nos chama a todos de "macacos" parece ter sido orquestrada por
uma importante agência de publicidade.
Além da pouca sinceridade,
que para espíritos românticos já seria motivo suficiente para repudiar Neymar e
todo o bando, ainda há problema mais grave: a possibilidade de que o
"comer a banana" seja visto com um "deixa pra lá". No caso
de Dani Alves, falamos de um atleta sob pressão: o Barcelona não vem numa
campanha das melhores, seu time estava perdendo a partida e, como de costume,
as câmeras do mundo estavam voltadas para ele. Ser agredido em público, nessas
condições, torna difícil qualquer reação à altura e ele, com presença de
espírito invejável e apurada técnica, "tirou de letra". Contudo, caso
a atitude dele se torne "o" exemplo a ser seguido, corre-se o risco
de que sejam repudiadas medidas mais duras contra o racismo, necessárias, por
exemplo, quando se considera que as vítimas da violência policial são
Amarildos, Cláudias, DGs, não os Hucks de olhos claros.
O discurso de que "o
racismo está na vítima" e basta "saber ignorar" aplaude Dani
Alves de pé, ao mesmo tempo em que não reconhece a defesa das cotas no ensino
superior, ignora a desigualdade racial e tergiversa sobre a "democracia
racial" em que vivemos.
Em resumo, se por um lado
Daniel Alves deu, nas condições a que estava submetido, provavelmente a mais
elegante e contundente resposta que torcedores racistas já receberam, por outro
é preciso cautela. A sede de transformar tudo em business e a hipocrisia dos
que creem em uma suposta igualdade racial (que, se é total no aparato
biológico, é nenhuma na vida social) querem transformar o gesto libertador do
atleta em mais uma arma de opressão. Mas não deixaremos. Não somos bananas.
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