quinta-feira, 27 de junho de 2013

Doze Teses sobre a Situação Nacional

Rodrigo Dantas, professor da UNB

1. A panela de pressão explodiu. As ruas foram tomadas por milhões que gritam em alto e bom som: basta a tudo que aí está! Ainda não sabem para onde ir, mas já deram o primeiro passo: disseram que não aceitam mais continuar onde estão! Entramos numa nova etapa da história do Brasil. Os governos, o parlamento, os partidos e as instituições clássicas do Estado burguês estão em xeque. Uma crise de regime há muito latente explodiu com toda a força.

2. As bases do crescimento econômico dos anos de governo do PT desapareceram: o excesso de crédito transformou-se em excesso de endividamento; o fluxo de capitais externos se transformou em fuga de capitais; o superávit na conta corrente transformou-se em déficit externo. A inflação cresce – sobretudo dos alimentos e demais itens da cesta básica. O real se desvaloriza. Neste contexto, a produção industrial deve cair ainda mais, aprofundando o processo de desindustrialização e “reprimarização” do país. O “neo-desenvolvimentismo” e o “neo-assistencialismo” petistas perdem assim a sua base material. A maior crise econômica mundial do pós-guerra chegou ao Brasil. Entramos numa nova etapa da história econômica do país: o modelo neoliberal, dirigido pelos governos do FSDB e do PT e alimentado pelo fluxo crescente de capitais externos, esgotou-se com a crise, após ter patrocinado o maior processo de privatização e desnacionalização da economia brasileira em sua história. Os ganhos obtidos pela classe trabalhadora no último período estão todos ameaçados.

3. O PT perdeu a direção do movimento de massas nas ruas após dez anos de governo. Embora ainda dirija a grande maioria dos sindicatos e movimentos sociais do país, tem contra si o movimento nas ruas. Está acuado porque não pode mais jogar em seu próprio terreno. Abre-se uma situação que nos próximos anos tende a favorecer imensamente a CSP-Conlutas e a oposição de esquerda ao governo na disputa com a CUT pela direção da classe trabalhadora organizada. 

4. As ruas estão desorganizadas. Ninguém as dirige. Estão em disputa.

5. A direita fascista está organizada nas ruas, na mídia e nas redes sociais, controla o aparato militar-policial e se apoia na grande burguesia e no imperialismo. Na primeira semana dos protestos, em meio à Copa das Confederações, a burguesia e o imperialismo enfrentaram o primeiro grande levante popular após a chegada do PT ao poder e exibiram seu arsenal tático: repressão policial de massas; ataques paramilitares contra os militantes da esquerda organizada; incitação fascista do ódio aos partidos e a política; fazer de cada ato de rua uma praça de guerra para jogar a maioria da população contra o movimento, lançando mão de todos os meios para confundir, dividir e desorganizar o movimento. Seus métodos visam afastar a população dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais com métodos violentos e fascistas e propaganda anti-comunista nas redes sociais; “apolitizar” a espontaneidade das massas das massas despolitizadas; colocar a luta contra a corrupção no centro da cena política e transformar as grandes manifestações de massa em espetáculos midiáticos de violência em estado puro. A cobertura da mídia acompanha esta estratégia fascista. Transformam os protestos em “baderna”, “arruaça”, “desordem” para, assim que for possível, criar uma atmosfera opressiva de clamor na “opinião pública” pelo retorno à “ordem”. Querem testar até onde poderiam canalizar a mídia, as ruas e as redes sociais para colocar em xeque o governo do PT e criminalizar os movimentos e partidos de esquerda. Começam a agitar o impeachment de Dilma e prometem organizar uma marcha nacional a Brasília. Seu objetivo não é um golpe militar como o de 1964, mas criar uma atmosfera propícia ao fechamento do regime político, num quadro de crise mundial, por meio de um governo civil bonapartista eleito nas urnas. 

6. O autonomismo pós-moderno, anti-partidário e anti-marxista revelou-se como uma ideologia que desarma politicamente a juventude, a intelectualidade e as massas das classes médias e ajuda a abrir caminho para que a direita “surfe” na onda generalizada de repúdio a todos os partidos e organizações sociais e políticas. Diante dos resultados de sua própria política, sua principal organização recuou assustada, tirando seu bloco da rua, para depois voltar atrás mais uma vez. Não passou pela prova da história. 

7. A classe trabalhadora organizada nos sindicatos e movimentos sociais, majoritariamente dirigidos pelo PT, ainda não entrou em cena. O PT se acha numa encruzilhada, que pode se tornar rapidamente um xeque-mate. Se a orientação do PT for chamar a classe trabalhadora às ruas para defender o governo, ela não atenderá este chamado. Se o PT a chamar às ruas para defender suas bandeiras históricas, as colocará em choque com seu próprio governo – embora seja esta sua única chance de sobreviver como organização dirigente da classe trabalhadora brasileira. Se continuar onde está, jamais recuperará a direção do movimento de massas. Só lhe restará sua última cartada, Lula, a ser jogada num cenário de fragilização do partido e do governo Dilma nas ruas, em que a maior parte da burguesia tende a desembarcar do apoio ao governo e jogar todas as suas fichas (e alguma carta da manga, como Collor em 1989) para derrota-lo. 

8. A oposição socialista ao governo de frente popular ainda não tem enraizamento, força nem volume suficiente para dirigir as ruas, ocupadas ainda majoritariamente pelas chamadas “classes médias” – e menos ainda sob o fogo cerrado da polícia e dos bandos fascistas. 

9. As massas estão nas ruas e a elas retornarão muitas vezes no próximo período. Estamos apenas no prólogo de uma nova etapa da história da luta de classes no país. O aprofundamento dos efeitos da crise econômica, com o visível esgotamento histórico do modelo neoliberal no país e em todo o mundo, acirrará cada vez mais a luta de classes em escala mundial. A luta pela hegemonia e pela direção das ruas no Brasil apenas começou. 

10. Do governo de frente popular dirigido pela maior organização política que a classe trabalhadora brasileira construiu em sua história devemos tirar algumas lições. A primeira delas é que não é possível governar ao mesmo tempo para os capitalistas e os trabalhadores – e menos ainda num país dependente em meio ao desdobramento da maior crise mundial da história do capitalismo. 

11. Até aqui, a classe social que domina as ruas é a classe média, a pequena burguesia (a classe que vive do trabalho intelectual assalariado e de outras pequenas fontes de rendimento, que se acha objetiva e subjetivamente vinculada à burguesia) e sua juventude. Ela revela um profundo mal estar com a realidade social, mas ao mesmo tempo quer soluções para os problemas que a mobilizam nos marcos do mesmo sistema que repudia nas ruas. Se uma parte de suas bandeiras é também levantada pelo proletariado, a outra é feita das bandeiras empunhadas pela burguesia. Rebela-se contra a burguesia, mas dela espera a solução para seus problemas. Teme aliar-se ao proletariado – e só chega a fazê-lo quando o proletariado já está nas ruas, numa situação revolucionária, em que já não lhe reste qualquer alternativa senão deixar acaudilhar-se por ele.

12. A imensa maioria dos que produzem a riqueza em condições bárbaras de opressão e exploração ainda não se fez presente na cena. Seu regime de vida simplesmente não lhes deixa tempo para isso. Sua entrada organizada em cena alteraria completamente a correlação de forças. Mas para que ela entre em cena, de forma organizada, ela terá de ser mobilizada a partir dos sindicatos, dos movimentos sociais e populares e dos partidos de esquerda. Hora de agir. O primeiro passo é convocar um Congresso Nacional dos Trabalhadores, unitário, independente dos governos e dos patrões, para definir a estratégia e o programa comum com que lutaremos para fazer da maior rebelião popular da história do país o prólogo da revolução brasileira. 

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