Ruy
Braga

A
ofensiva patronal sobre os direitos trabalhistas não tardou a repercutir no
debate eleitoral. No programa de governo da candidata Marina Silva, por
exemplo, pode-se ler: “Existe hoje no Brasil um número elevado de disputas
jurídicas sobre a terceirização de serviços com o argumento de que as
atividades terceirizadas são atividades-fim das empresas. Isso gera perda de
eficiência do setor (comércio e serviços), reduzindo os ganhos de produtividade
e privilegiando segmentos profissionais mais especializados e de maior renda.”
Resta saber como a candidata pretende “disciplinar a terceirização” e, ao mesmo
tempo “assegurar o respeito às regras de proteção do trabalho”?
Simpatizante
da candidata pessebista, o empresário Benjamin Steinbruch decidiu fustigar a CLT
em uma entrevista concedida à Folha de S. Paulo no início da semana passada.
Após entoar a indefectível cantilena sobre o elevado custo do emprego no
Brasil, o dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) reivindicou “um país
leve na lei trabalhista”, isto é, com jornada mais flexível, idade legal
diminuída e horário de almoço encurtado: “(…) Não precisa de uma hora (de
almoço). Se você vai numa empresa nos EUA, você vê (o trabalhador) comendo o
sanduíche com a mão esquerda e operando a máquina com a mão direita. Tem 15
minutos para o almoço.”
Se
implementada, a proposta de Steinbruch de substituição do legislado pelo
negociado nas relações trabalhistas implicaria no fim da CLT. De quebra,
ameaçaria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o vale-transporte e o
vale-alimentação. Em um país com altas taxas de rotatividade, onde o valor do
salário do recém-contratado tende a ser menor do que o do demitido, alguém
acredita que a “redução pela metade dos direitos (trabalhistas)” iria realmente
parar no “bolso do trabalhador”?
Ao
tomar conhecimento das opiniões do atual presidente da Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (FIESP), um desavisado concluiria que o Brasil é o
paraíso da proteção trabalhista, onde demitir é praticamente impossível, os
salários são altos, as relações contratuais são rígidas e não há terceirização.
Na realidade, o percentual médio do trabalho informal no ano passado ainda era
de 33% da População Economicamente Ativa (PEA). Dados do DIEESE indicam que a
taxa de rotatividade, especialmente saliente entre os jovens, os que recebem
até dois salários mínimos e os ocupados no setor de serviços, cresceu, entre
2003 e 2012, de 52% para 64%. Esta taxa atinge 53% dos trabalhadores em vários
setores da indústria de transformação.
A
respeito da terceirização, o quadro permanece desalentador. De acordo com a
Confederação Nacional da Indústria (CNI), nos últimos três anos, cerca de 70%
das indústrias brasileiras contrataram empresas terceirizadas. Dos 50 milhões
de trabalhadores com carteira assinada do país, 12 milhões são terceirizados,
recebendo, em média, salários 30% inferiores em relação aos contratados
diretamente. Além disso, eles são mais vulneráveis tanto aos acidentes de
trabalho, quanto às condições análogas à escravidão. Caso fosse levada adiante,
a agenda advogada por Steinbruch deterioraria ainda mais uma condição social já
calamitosa.
Ao
contrário do que muitos imaginam, a CLT não foi uma dádiva de Vargas aos
pobres. Antes, ela resultou de duas décadas e meia de lutas sociais e da
institucionalização de direitos trabalhistas contra os abusos de uma classe
empresarial herdeira do éthos escravocrata. Além disso, a CLT atraiu milhares
de trabalhadores rurais para os grandes centros urbanos em busca de
oportunidades e de proteção social. Assim, a legislação trabalhista ajudou a
criar a classe operária necessária à expansão do moderno parque industrial
brasileiro cujo marco foi a própria CSN – vendida, em 1993, ao empresário
Benjamin Steinbruch.
Em
suma, a ameaça à CLT não expressa o embate das forças vanguardistas da
globalização econômica contra o que restou do atrasado poder corporativo dos
sindicatos. Na verdade, testemunhamos a desforra de organizações empresariais
passadistas pela ousadia do subalterno de apropriar-se da linguagem dos
direitos sociais. O que o Projeto de Lei no. 4330/2004, o recurso da Cenibra ao
STF, o programa de governo marinista e a agenda de Steinbruch buscam ocultar é
a incompetência histórica de uma classe empresarial retrógrada que, a fim
ampliar suas margens de lucro, ao invés de alcançar ganhos de produtividade
investindo em inovação tecnológica, contenta-se em investir contra os direitos
dos trabalhadores.
06 Outubro de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário