Megaoperação
do Ministério do Trabalho responsabiliza Oi, Vivo, Santander, Itaú, NET,
Citibank e Bradesco por abusos trabalhistas contra 185 mil pessoas em sete
estados
Por
Igor Ojeda, in http://reporterbrasil.org.br/

Oi,
Vivo, Santander, Itaú, NET, Citibank e Bradesco. Essas sete gigantes das
telecomunicações e do setor financeiro superexploram os trabalhadores que
prestam serviços por teleatendimento, diz o Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE). Uma megaoperação de quase dois anos de duração e que abrangeu sete
estados brasileiros constatou inúmeros exemplos de abusos trabalhistas contra
nada menos que 185 mil pessoas. Destes, 104 mil trabalhavam para a Oi.
De
abril de 2013 a dezembro de 2014, na primeira ação desse porte, uma equipe de
14 auditores fiscais do trabalho, que contou com a colaboração de outros 36
auditores, investigou as condições de trabalho desses profissionais na Bahia,
Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Analisou contratos, holerites, registros de pontos, entre outros documentos, e
visitou os locais de trabalho.
O
resultado: 932 autos de infração lavrados, R$ 318,6 milhões em multas, R$ 119,7
milhões de dívidas com o FGTS e quase R$ 1,5 bilhão em débitos salariais. (Leia
mais informações aqui, na matéria ‘Para o MTE, teles e bancos são responsáveis
por precarização no telemarketing) A fiscalização, que teve início em abril de
2013 em Minas Gerais e Pernambuco e se tornou nacional em outubro do mesmo ano,
investigou o período que vai de janeiro de 2012 a dezembro de 2013. A Repórter
Brasil acompanhou a operação no Recife (PE), em maio do ano passado. (Leia mais
informações aqui, na matéria ‘Pelo amor de deus, não vá ao banheiro’)
A
reportagem solicitou posicionamento das sete empresas responsabilizadas e da
Contax. A SindiTelebrasil, representando a Oi e a Vivo, afirma: “O setor de
telecomunicações adota entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a
atividade de telesserviços é uma atividade especializada e, em relação a
demandas administrativas e judiciais, as empresas estudam eventuais medidas
cabíveis.”
O
Santander alega que “atua em conformidade com a legislação”.O Bradesco afirma
que “cumpre rigorosamente as normas trabalhistas vigentes”. O Itaú defende que
suas terceirizações são legítimas e respeitam os parâmetros legais do Tribunal
Superior do Trabalho: “Também reforça que exige de seus fornecedores o estrito
cumprimento da legislação trabalhista, e que não tolera práticas inadequadas,
as quais são passíveis de punição nos termos do contrato”.
A
NET diz que obedece a legislação vigente: “A terceirização é lícita,
respeitando a Lei Geral de Telecomunicações. A empresa informa que acompanhará
os autos de infração e apresentará as defesas pertinentes”. Já o Citibank
afirma que “atua em total conformidade com a legislação vigente e irá
apresentar defesa em relação à autuação administrativa”. A Contax não havia
retornado até o fechamento desta reportagem.
Shopping center de call
centers
O
ponto em comum entre as sete gigantes acusadas de superexploração leva o nome
de Contax, empresa de teleatendimento que se autointitula a líder no setor no
país, estando presente em 12 municípios brasileiros. Todos os abusos
trabalhistas apurados pelo Ministério do Trabalho e Emprego foram identificados
em sedes da companhia. Formalmente, a Contax é contratada pelas teles e bancos
para prestar serviços de teleatendimento. A megaoperação de fiscalização
trabalhista apontou, no entanto, que na prática ela funciona simplesmente como
intermediadora de mão de obra.
“Durante
a ação descobrimos que dentro da Contax funcionam as centrais de
teleatendimento de várias empresas, separadamente, como um shopping center de
call centers”, explica Cristina Serrano, uma das auditoras fiscais do trabalho
à frente da operação. Ou seja, na avaliação do MTE, os reais empregadores dos
funcionários da Contax são, na verdade, Oi, Vivo, NET, Itaú, Bradesco,
Santander e Citibank. “Entendemos que a Contax é uma intermediária da
contratação e também da forma de organização do trabalho intensamente
assediadora. Por isso, decidimos responsabilizar os reais empregadores,
beneficiários do trabalho final”, diz Cristina, da Superintendência Regional do
Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE/PE), braço do MTE no estado. A
terceirização, portanto, foi considerada ilícita.
As
três teles e quatro bancos são acusados por uma série de violações, como
exercer forte assédio moral, causar adoecimento massivo, manter funcionário sem
registro, pagar um salário menor do que o devido e até impedir ou dificultar a
saída do posto de trabalho para satisfação das necessidades fisiológicas.
“Constatamos assédio moral, adoecimento massivo, sofrimento psíquico. Muitos
trabalhadores sequelados física e/ou emocionalmente. Alguns vivem e trabalham a
base de remédios”, diz a auditora fiscal do trabalho. Segundo ela, a
rotatividade é alta. E a maioria dos funcionários é formada por mulheres entre
18 e 25 anos que estão no primeiro emprego.
‘Miss Mijona’

Segundo
apurou a fiscalização, os trabalhadores são obrigados a cumprir a chamada
“jornada britânica”, quando se deve entrar, sair e realizar as pausas
pontualmente sempre nos mesmos horários. Juridicamente, os controles de ponto
que apresentam dados invariáveis durante um período de tempo são considerados
fraudados, já que se avalia ser impossível que o empregado cumpra exatamente os
mesmos horários todos os dias. No entanto, caso os operadores de teleatendimento
das sete empresas denunciadas não sigam plenamente a jornada estabelecida, eles
veem descontada o que é conhecida como remuneração variável.
Os
trabalhadores intermediados pela Contax devem cumprir fielmente nada menos que
oito marcações de horário: entrada e saída, início e fim do período de
refeição, de 20 minutos, e início e fim das duas pausas programadas do dia, de
dez minutos cada. Aquele que deseja receber sua remuneração variável deve
cumprir quase integralmente a “aderência à escala”. Cada empresa estabelece sua
própria meta de aderência necessária para que o funcionário receba a
remuneração, podendo variar de 89% a 95%. No entanto, o percentual de pessoas
que atingem tais metas é baixo.
“A
aderência é 100% se o operador logar e deslogar exatamente nos horários
programados. São oito marcações programadas por dia e não pode ter variação de
nem um minuto para mais ou para menos. Como máquina! Consideramos essa meta de
aderência a mais perversa e desumana, e implica em prejuízo na remuneração, na
avaliação, no uso do banheiro. Essa prática é vedada expressamente pelo anexo
II da NR 17”, diz Cristina.
Muitos
trabalhadores declararam aos auditores fiscais que, para não terem vontade de
ir ao banheiro fora dos períodos programados, evitam beber muita água. Caso
sinta necessidade, fazem de tudo para segurar. Tais práticas acarretam
problemas de saúde como infecção urinária, incontinência, cistite e problemas
nas cordas vocais, já que a atividade exige uso contínuo da fala, e em ambiente
climatizado. Se o funcionário vai ao banheiro mesmo assim, a pausa é
considerada pessoal e ele perde a “aderência”. E caso demore mais de cinco
minutos para voltar, corre o risco até de levar uma suspensão.
As
que mais sofrem com as regras de idas ao banheiro são as grávidas e as que têm
cistite, infecção da bexiga bastante comum entre as mulheres e que torna
constante a vontade de urinar. Uma delas, de tanto usar pausas pessoais por
conta de sua cistite, começou a ser chamada, na frente de todos, de “Miss Mijona”.
A partir de então ela começou a ir trabalhar usando fraldas geriátricas.
Big Brother

No
entanto, “o monitoramento não é aleatório”, esclarece a auditora da SRTE/PE. “A
Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] exige que as ligações sejam
gravadas para proteger o direito do consumidor. Mas a empresa usa para outra
finalidade: para perseguir e pressionar principalmente aqueles trabalhadores
com baixa produtividade de vendas.” Segundo ela, um ranking mensal de vendas
avalia o desempenho de cada equipe de 15 a 20 operadores. A lista é dividida em
quatro. O funcionário que permanece no último quartil por dois meses vai para a
“linha de corte”, grupo dos trabalhadores sujeitos a serem demitidos.
“Isso
significa que aumenta a pressão, o monitoramento, o assédio, com punições
abusivas previstas na ‘Escala Pedagógica’, como excesso de pausas pessoais, e
até suspensões por motivos banais, como por usar sandália de dedo ou camisa de
time de futebol. Então esses funcionários são chamados pelo supervisor e
‘orientados’ a pedir demissão para evitar a demissão por justa causa”, diz
Cristina.
De
acordo com a auditora, é uma possibilidade temida por todos, pois muitos estão
no primeiro emprego e acreditam que irão “sujar” suas carteiras de trabalho. “A
rotatividade é enorme e a maioria sai por pedido de demissão ou demissão por
justa causa, formas de extinção do contrato a baixo custo.” Segundo apurou a
fiscalização, uma média de 75% dos trabalhadores que saem o fazem por pedido de
demissão. “Sem justa causa são pouquíssimos os que saem; em geral saem
adoecidos.”
Adoecimento massivo

A
lista é grande, mas, segundo a equipe de fiscalização, a Contax não reconhece
os riscos da atividade e não toma as medidas preventivas necessárias. Pior: não
comunica o adoecimento por meio da emissão da Comunicação de Acidente de
Trabalho (CAT), medida obrigatória para os casos de lesões ocupacionais. “Ao
contrário, demite os adoecidos.” Além disso, segundo constatou a fiscalização,
os trabalhadores com pequenos problemas de saúde sequer são admitidos, mesmo
que não haja qualquer impedimento ao exercício da atividade.
Segundo
cálculos da equipe de auditores fiscais, o operador de teleatendimento que
trabalha para as sete empresas denunciadas por meio da Contax adoece a partir
de 120 dias no emprego, em média. O Ministério do Trabalho pediu os atestados
médicos concedidos aos trabalhadores da companhia de teleatendimento em todo o
Brasil, mas apenas os de Pernambuco foram fornecidos. “A média é de 6 mil
atestados por mês só em Pernambuco, para um total de 18 mil trabalhadores. Fora
o que os trabalhadores levam e a empresa não aceita. Se o atestado não for do
plano de saúde credenciado pela empresa, não é aceito”, explica Cristina.
De
acordo com dados compilados em uma das unidades da Contax no Recife – site
Santo Amaro, com 15 mil funcionários – por Odete Reis, médica do trabalho que
integra a equipe nacional de fiscalização do MTE, de janeiro a maio de 2014
foram apresentados 8.687 atestados de afastamento do trabalho por doenças
osteomusculares, uma média de 1.737 por mês. Em todo o ano de 2013, foram
23.554 atestados, média de 1.962 mensais. Segundo Odete, dentre essas doenças,
as mais comuns são sinovites, tenossinovites e dorsalgias. Ela lembra que as
duas primeiras, que no caso em em questão acometem os dedos das mãos, inclusive
já são reconhecidas pela Previdência Social como causadas diretamente pela
atividade de teleatendimento.
A
medicina do trabalho para os funcionários da Contax é feita por uma empresa
contratada. Segundo Cristina Serrano, o contrato de prestação de serviços prevê
que se um trabalhador fizer o exame admissional e em até um período de seis
meses apresentar doença e obter um atestado médico, essa empresa será
descontada em sua fatura com a Contax. “É como se fosse uma multa por encontrar
um trabalhador doente. A Contax está presumindo que a empresa errou no exame
admissional.” Muitos operadores disseram à equipe de fiscalização do MTE que
muitas vezes o médico do trabalho afirma não poder fornecer atestado.
Ao
operador, resta continuar a trabalhar mesmo doente e tentar cumprir as metas
estabelecidas sem vacilar. “De um lado da linha, o consumidor, insatisfeito com
o serviço prestado e/ou irritado com a insistência do operador para vender
cartões, seguros, planos de internet, TV, celular, grita, reclama e xinga o
atendente. Do outro lado da linha, o atendente tem que manter ‘sorriso na voz’,
falar com entusiasmo, seguir script de fala, obedecer a todos os procedimentos,
sem demorar na ligação, pois tem meta de Tempo Médio de Atendimento (TMA) e é
vigiado ostensivamente”, resume Cristina.
Não
grite com o operador de telemarketing de seu banco ou operadora de celular.
*
Matéria atualizada às 16h20 de 23/12/2014 para acréscimos de informações
Nenhum comentário:
Postar um comentário