quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Bradesco vê lucro de mais de R$ 3 bilhões no 4º trimestre de 2013

Por Carolina Mandl e Daniela Machado | Valor

Daniel Wainstein/Valor

SÃO PAULO – O Bradesco abriu a temporada de balanço dos bancos brasileiros ao anunciar nesta quinta-feira lucro líquido ajustado de R$ 3,199 bilhões no quarto trimestre, o que representou uma alta de 9,6% sobre igual trimestre do ano passado. O lucro contábil no período foi de R$ 3,079 bilhões, com crescimento de 6,4%.

O desempenho ficou em linha com a projeção de analistas consultados pelo Valor, que esperavam lucro de R$ 3,2 bilhões de outubro a dezembro do ano passado.

Em todo o ano passado, o segundo maior banco privado do país teve lucro ajustado de R$ 12,202 bilhões.

O controle da qualidade dos ativos e a expansão das receitas de serviços impulsionaram o lucro do Bradesco.

Há cerca de dois anos, Bradesco e Itaú Unibanco iniciaram a migração do portfólio de crédito em direção a produtos com mais garantias, seguraram as despesas e reforçaram a avaliação de risco da clientela.

Nesse contexto, a carteira de crédito expandida cresceu 3,6% no último trimestre em relação ao terceiro e 10,8% em 12 meses, alcançando R$ 427,273 bilhões. A taxa de inadimplência considerando atrasos superiores a 90 dias ca u para 3,5% no quarto trimestre, ante 3,6% nos três meses anteriores e 4,1% em igual período de 2012.

Apesar da expansão do crédito, as despesas com provisão para devedores duvidosos recuaram 7,8% na comparação anual, para R $ 2,961 bilhões no quarto trimestre de 2013. Em relação ao terceiro trimestre, houve crescimento de 2,8%.

Em um ano de fraco crescimento do crédito, o estoque de empréstimos do Bradesco pelo critério adotado pelo Banco Central (BC) atingiu R$ 323,061 bilhões em dezembro. Isso representou uma expansão de 3,66% sobre igual mês de 2012 e de 11% ante setembro de 2013.

Pelo conceito de carteira expandida, que inclui avais, fianças e operações de antecipação de recebí veis, o saldo ficou em R$ 427,273 bilhões. Em 12 meses, o crescimento foi de 10,8%, ligeiramente abaixo do piso da projeção que o banco tinha feito para 2013, que era de expansão entre 11% e 15%.

No acumulado do ano, foram os desembolsos para pessoas físicas que tiveram melhor desempenho, com alta de 11,2%, enquanto para as empresas o crescimento foi de 10,6%.

O Bradesco destaca que o crédito consignado, o financiamento imobiliário e à exportação ditaram o ritmo. Por outro lado, o financiamento a veículos para pessoas físicas sofreu queda de 9,31% no ano.

No trimestre, esse cenário se inverteu, com as operações para pessoas jurídicas crescendo 3,9%, e os desembolsos para consumidores tendo alta de 2,9%.

Para 2014, o Bradesco prevê um aumento da carteira de crédito expandida um pouco mais contida, entre 10% a 14%, sendo que o melhor desempenho deve vir das pessoas físicas (11% a 15%). Para as empresas, a perspectiva é de crescimento entre 9% e 13%.

Os balanços das principais companhias brasileiras, seus comunicados e analistas que acompanham as empresas podem ser consultados no Valor RI

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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

BB condenado a pagar como hora extra os 15 minutos excedentes da jornada

SEEB Bauru

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) anulou recentemente a alteração unilateral, feita pelo Banco do Brasil em 2002, que resultou no acréscimo dos 15 minutos de descanso à jornada de trabalho. Pela decisão, o banco foi condenado a pagar a diferença desde a época da implantação do ponto eletrônico.

O autor da ação foi o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, mas o Sindicato dos Bancários de Bauru e Região/CSP-Conlutas também tem ajuizadas algumas ações pleiteando o mesmo direito.

Coletivamente, continuam em julgamento duas delas, uma para a cidade de Bauru e outra para a região de Itararé. No momento, o TST analisa o agravo de instrumento do Sindicato.

Individualmente, o Sindicato tem diversas outras ações sobre o tema. Por isso a decisão do TST é importante: porque fortalece a luta para que o BB cumpra a jornada de 6 horas para todos os trabalhadores.


Atualmente, o Banco do Brasil é a única instituição financeira que tem em seu regulamento a jornada de 6 horas e 15 minutos. Jornada de bancário é de 6 horas!

Seguros de luxo: Setor Público Para proteger executivos contra processos, estatais recorrem a milionárias apólices…

Setor Público Para proteger executivos contra processos, estatais recorrem a milionárias apólices. Mas a blindagem favorece abusos

CARTA CAPITAL | Seu País

POR ANDRÉ BARROCAL

Uma MILIONÁRIA batalha judicial entre funcionários e dirigentes do Banco do Brasil com julgamento marcado para 7 de março coloca na berlinda um fenômeno recente no País. É crescente o número de estatais contratando seguro para proteger o patrimônio de executivos contra multas em processos e despesas com advogados. A apólice é comum há tempos no setor privado. mas no público está mais para novidade e ainda é tratada com discrição. Pois uma ação por dano moral contra o Banco do Brasil tenta, também, proibir o uso do “seguro de luxo” em favor de cinco diretores acusados individualmente no mesmo processo. Polêmica: quais os limites razoáveis desse tipo de seguro?

Um documento descritivo da apólice contratada pelo Banco e que chegou ao juiz do caso, Denilson Bandeira Coelho, titular da 4ª Vara do Trabalho de Brasília, ajuda a entender por que há um certo laconismo em torno do assunto. O seguro tem uma cláusula de confidencialidade. como acontece com todos os do gênero. O documento circulou pela cúpula do Banco do Brasil em novembro de 2012. em uma troca de e-mails sobre a renovação do acordo a vencer em março de 2013. Pelo texto, a seguradora custeia até 304 milhões de reais em gastos gerados por processos contra dirigentes.

Essa cobertura ó provida pelo Banco desde 2007, com endosso do estatuto interno e da Incidas Sociedades Anônimas. Blinda conselheiros, diretores e gerentes em processos por atos praticados no cargo. E extensiva a cônjuges e filhos e, mais importante, vale mesmo após o dirigente deixara empresa. Cobre, por exemplo, demandas fiscais (o Código Tributário Nacional atinge o gestor juntamente com a empresa). Processos da companhia contra um administrador que lhe tenha causado prejuízo patrimonial (ação prevista na Lei das S.As.). E pedidos de reparação financeira por ofensa ou violação do direito de outra pessoa (ação com base no Código Civil). Essa última hipótese encaixa-se na ação civil pública de maio de 2013 movida contra o Banco do Brasil.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal Cobra 60 milhões de reais por dano moral coletivo. valor que teria de ser rateado entre a empresa e cinco diretores: Carlos Araújo Netto (Pessoal). Carlos Leal Neri (Relações com Funcionários). Luiz Guimarães de Freitas (Tecnologia). Raul Francisco Moreira (cartões) e Admilson Monteiro Garcia (Negócios Internacionais). A instituição teria demitido funcionários que foram à Justiça reivindicar horas extras não pagas, como seis deles testemunharam ao juiz Coelho em novembro. Para o MPT, as demissões foram uma retaliação e uma tentativa de inibir novos processos, configurando violação do direito de os trabalhadores recorrerem ao Judiciário.

Autor da ação. o procurador Adélio Justino Lucas acredita que a postura do Banco foi facilitada pelo que ele chama de “seguro de luxo”. Com o patrimônio blindado, os gestores “sentem-se mais \ confortáveis” para praticar atos questionáveis. Por isso, o procurador quer que a Justiça afaste a aplicação do seguro no caso da ação civil, para o dano moral afetar o bolso dos executivos. Os advogados do Banco tentaram tirar Lucas ” do caso. Pediram ao Conselho Nacional do Ministério Público um processo disciplinar pelo que consideram “assédio moral processual” e “litigância de má-fé”, o CNMP arquivou a solicitação. O Banco nega que haja perseguição a funcionários e diz que as demissões foram ato de gestão, como três dos diretores acusados declararam ao juiz em novembro.

O pano de fundo da batalha judicial é um passivo trabalhista que pode chegar a bilhões, diz Wescly Queiroz, secretário de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Bancários de Brasília. Em 2000, o Banco baixou uma norma interna que levou muito Bancário, cuja jornada é de seis horas, a trabalhar por oito. Eram tempos do neoliberalismo de FHC, a enxugar a empresa para privatizá-la. Em 2005, já no governo Lula e sem temer a privatização, o sindicato conseguiu na Justiça que as ações dos bancários por hora extra pudessem exigir dez anos passados, não só cinco, como é praxe para todas as categorias. Muitos esperaram o fim da gestão Lula. em 2010, para pedir hora extra desde 2000. Sentenças de mais de 1 milhão de reais a favor de bancários que recorreram começaram a se avolumar a partir de 2012. Um pesadelo para o Banco do Brasil, que em janeiro do ano passado editou outra norma interna tentando fechar a brecha legal das ações. Norma igualmente contestada pelos bancários.

Autor da denúncia ao MPT que deu origem à ação civil, o sindicalista Manoel Leite Magalhães, funcionário de carreira do Banco há 35 anos, diz que o seguro também é herança de Fernando Henrique, cujo governo teria, de forma clandestina, buscado proteger os executivos que atuavam guiados por princípios privatizadores. As primeiras noticias sobre seguro corporativo em estatais surgiram em 2009, a relatar sua existência em empresas paulistas, como Metrô e Sabesp, na gestão do então governador José Serra (PSDB).

Hoje se sabe que, no plano federal, a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também têm esse tipo de apólice. Oferecer o benefício é um modo de atrair bons executivos, sobretudo para as estatais que competem com empresas particulares, como é o caso do Banco do Brasil. Isso porque esse seguro, conhecido como D&O, é corriqueiro no mundo privado, nos Estados Unidos, j na Europa. O dilema, diz o advogado Leonardo Romeiro Bezerra, do escritório Aidar SBZ, especializado em direito ; administrativo, está na abrangência da apólice. Quanto mais ampla ela for. maioria chance de acobertar irregularidades.

Uma decisão de novembro de 2013 tomada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que auxilia o Congresso a vigiar o governo federal, tentou estabelecer alguns limites. O TCU examinava uma licitação do fim de 2012 lançada pela Eletrobras para contratar o Seguro D&O para seus dirigentes. Depois de alguma polêmica, a maioria dos ministros liberou a licitação, até então embargada. Argumento: a empresa não poderia ficar em desvantagem perante a concorrência, como defendia o relator, Raimundo Carreiro. Com isso, o TCU criou jurisprudência favorável ao seguro.

Em relação àquilo que a apólice pode cobrir, nova polêmica. Se puder ser acionada para proteger o patrimônio de um dirigente processado por fraude pelo Ministério Público ou pelo próprio TCU, não seria um convite a irregularidades? Prisão e multas são fantasmas a inibir o malfeito. No fim do julgamento, o tribunal restringiu a cobertura. Deveriam ser excluídos todos os casos que estiverem ao alcance dos órgãos de controle (MP,TCU) sempre que ficar provado que o réu agiu com dolo. ou seja, consciente da ilegalidade.

A vigilância dos órgãos de controle e a ameaça de processos atingirem servidores. enquanto pessoas físicas, são considerada s e ni Brasília como paralisantes da máquina pública. Um alto dirigente de uma estatal federal que não possui seguro disse a CartaCapital, com ironia, que sente certa inveja da apólice alheia. Ele afirmou que convive com um temor diário de assinar papéis, aflito com a possibilidade de um dia, já fora do governo, ver seu CPF em uma ação judicial. O emaranhado de leis e órgãos de controle. disse. deixa-o exposto a processos, inclusive motivados por razões políticas traves-tidas de técnicas.


Durante o segundo mandato, no qual lançara o programa de obras batizado PAC, o ex-presidente Lula costumava se queixar de que os órgãos de controle que diziam “não pode fazer” eram mais eficientes do que os encarregados de dizer “como se pode fazer”.

Em quadrinhos, a desconcertante lógica do rolezinho

Um jovem artista plástico capta e expõe, em tiras irreverentes, o que a maioria das análises sociológicas não conseguiu enxergar

Por Ricardo Coimbra



O Passe Livre, segundo Michael Löwy

Para sociólogo, movimento reúne duas marcas contemporâneas e transformadoras: atitude libertária e pauta tóxica… para o capitalismo

Por Michael Löwy, Mediapart | Tradução Caipora (MPL-Rio)
In: Outras Palavras


A luta do Movimento Passe Livre (MPL) – movimento pelo transporte público gratuito – contra o aumento dos preços das passagens foi a que desencadeou a ampla e impressionante mobilização popular no Brasil no último mês de junho, que levou às ruas centenas de milhares, quando não milhões, de pessoas nas principais cidades do país. O MPL foi uma pequena faísca libertária que provocou o incêndio. Quais lições podem ser tiradas desta experiência e qual é o alcance social, ecológico e político da luta pelo transporte gratuito?

O MPL foi fundado em janeiro de 2005, por ocasião do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, como uma rede federativa de coletivos locais. Estes coletivos já existiam há vários anos e levaram a cabo importantes lutas como a de Salvador (BA) em 2003, contra o aumento das passagens de ônibus. A carta de princípios do MPL (revisada e completa em 2007 e 2013) o define como um “movimento horizontal, autônomo, independente e apartidário, mas não antipartidário”.

A horizontalidade é, sem dúvida, a expressão de um projeto libertário que desconfia das estruturas e instituições “verticais” e “centralizadas”. A autonomia em relação aos partidos significa a negação em ser instrumentalizado por estes últimos, mas o movimento não recusa a colaboração e a ação comum com as organizações políticas, em particular as da esquerda radical. Atua em conjunto também com associações de bairros populares, com movimentos pelo direito à moradia, com as redes de luta pela saúde e com certos sindicatos (trabalhadores do metrô, professores). Enxerga no transporte gratuito não um fim, mas um “meio para a construção de uma sociedade diferente”. Pequena, a rede nunca superou algumas centenas de militantes, advindos primeiro das instituições de ensino e mais tarde dos bairros populares. De sensibilidade anticapitalista libertária, os ativistas têm diferentes origens políticas: trotskystas, anarquistas, altermundialistas, neozapatistas; com um toque de humor, alguns se definem “anarco-marxistas punk”. Em novembro de 2013 realizou, pela primeira vez, uma Conferência Nacional em Brasília – graças ao apoio financeiro da filial brasileira da Fundação Rosa Luxemburgo – com a participação de 150 delegados, que representaram 14 coletivos locais. Foram adotadas, através de consenso, algumas resoluções e formou-se um grupo de trabalho, composto por representantes dos coletivos, que coordenará as iniciativas, respeitando a autonomia e a “horizontalidade”. (Obtivemos estas informações em duas reuniões com militantes do MPL em São Paulo, Brasil, em novembro de 2013).

O método de luta do MPL é também de inspiração libertária: a ação direta nas ruas, geralmente lúdica e ousada, mais do que a “negociação” ou o “diálogo” com as autoridades. Os militantes não cultuam nem a violência, nem a não violência; uma de suas ações típicas é bloquear as ruas, ao som de grupos musicais, colocando fogo em pneus e “catracas”. Este termo, intraduzível, significa no Brasil um torno metálico giratório, bem firme, que fica em todos os ônibus, o qual não se pode atravessar antes de pagar a passagem ao cobrador. O símbolo do MPL é uma “catraca” em chamas… É bom lembrar que o transporte público, que em sua origem era um serviço público, foi privatizado em todas as cidades do país e pertence a empresas capitalistas de práticas mafiosas. As prefeituras têm, no entanto, controle sobre o preço das passagens.

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A inteligência tática do MPL foi colocar como prioridade um objetivo concreto e imediato: barrar o aumento do preço das passagens decidido pelas autoridades locais nas principais cidades do país, tanto as geridas pela centro-direita como pela centro-esquerda (o Partido dos Trabalhadores, que se tornou social-liberal). Recusando os argumentos pretensamente “técnicos” e “racionais” das autoridades, o MPL mobilizou milhares de manifestantes, que foram duramente reprimidos pela polícia. Estes primeiros milhares de manifestantes se tornaram dezenas de milhares e logo milhões (com o preço, certamente, de algum esvaziamento político), e os poderes locais se viram obrigados, precipitadamente, a cancelar os aumentos. Primeira lição importante: a luta pode ser ganha, e fazer com que as autoridades responsáveis retrocedam!

Uma vez que assumiu este combate prático e urgente, o MPL não deixou em nenhum momento de destacar seu objetivo estratégico: a tarifa zero, o transporte público gratuito. Para eles é preciso, segundo a Carta de Princípios, “retirar o transporte público do setor privado colocando-o sob o controle dos trabalhadores e da população”. É o que os militantes do MPL chamam “perspectiva classista” de sua luta. É uma exigência de justiça social elementar: o preço do transporte é proibitivo para as camadas mais pobres da população, que vivem nas periferias degradadas das grandes cidades, e dependem do transporte público para trabalhar ou estudar. É uma reivindicação que interessa diretamente aos jovens, aos trabalhadores, às mulheres, aos habitantes das favelas, ou seja, a grande maioria da população urbana.

Mas a tarifa zero também é uma pauta profundamente subversiva e antissistema, no sentido do que se poderia chamar um método de programa de transição: como observa a carta de princípios “deve-se construir o MPL com reivindicações que ultrapassem os limites do capitalismo, vindo a se somar a movimentos revolucionários que contestam a ordem vigente”. É um simpático exemplo do que o filósofo marxista Ernst Bloch chamava utopia concreta. Certamente há cidades no Brasil ou na Europa em que esta proposta pôde se realizar. Numerosos estudos especializados demonstram que ela é completamente possível, sem causar déficit às administradoras locais. Não deixa de fazer sentido que a gratuidade é um princípio revolucionário, que se contrapõe à lógica capitalista, na qual tudo deve ser uma mercadoria; é, portanto, um conceito insuportável, inaceitável e absurdo para a razão mercantil do sistema. Mais ainda quando, como propõe o MPL, a gratuidade dos transportes é um precedente que pode abrir caminho à gratuidade de outros serviços públicos: educação, saúde, etc. De fato, a gratuidade é o presságio de uma sociedade diferente, baseada em outros valores e outras regras diferentes das do mercado e da ganância capitalistas. Daí a resistência desesperada das “autoridades”, tanto conservadoras, como neoliberais, “reformistas”, de centro ou social-liberais.

Existe ainda outra dimensão da reivindicação pelo transporte gratuito, que até o momento não foi suficientemente defendida pelo MPL (mas que começa a se dar conta): o aspecto ecológico. O atual sistema, totalmente irracional, de desenvolvimento ilimitado do uso do carro individual, é um desastre pelo ponto de vista da saúde dos habitantes das grandes cidades – milhares de mortos por causa da poluição do ar diretamente provocada pelos escapamentos – e pelo ponto de vista ambiental. Como se sabe, o carro é um dos principais emissores de gás com efeito estufa, responsável pela catástrofe ecológica das mudanças climáticas. O carro continua sendo, desde o fordismo até hoje, a mercadoria de destaque do sistema capitalista mundial; consequentemente, as cidades estão completamente organizadas em função da circulação de automóveis. Agora bem, todos os estudos mostram que um sistema de transporte coletivo eficaz, universal e gratuito, permitiria reduzir significativamente o uso do transporte individual. O que esta em jogo não é só o preço da passagem de ônibus ou de metrô, mas outro modo de vida urbana, sensivelmente, outro modo de vida.


Em resumo: a luta pelo transporte público gratuito é, de uma só vez, um combate pela justiça social, pelos interesses dos jovens e dos trabalhadores, pelo princípio da gratuidade, pela saúde pública, pela defesa dos equilíbrios ecológicos. Permite que se formem amplas frentes e se abram brechas na irracionalidade do sistema mercantil. Não deveríamos, na França e em toda a Europa, nos inspirar no exemplo do MPL impulsionando em nossas cidades movimentos amplos, unitários, autônomos, de luta pela gratuidade dos transportes públicos?
In: http://www.prt5.mpt.gov.br

A Justiça do Trabalho na Bahia condenou o Banco do Brasil por prática de assédio moral contra seus funcionários e determinou que seja paga indenização por danos morais coletivos de R$2 milhões, além de uma série de medidas de reparação. A decisão é válida para todo o território nacional e estipula multa de R$50 mil em caso de descumprimento de cada uma das obrigações. A condenação saiu em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia em 2011 a partir de denúncia recebida do Sindicato do Bancários do Estado. O Valor da indenização deverá ser revertido em favor do Núcleo de Apoio e Combate ao Câncer Infantil (Nacci), instituição sem fins lucrativos com sede em Salvador.

Durante o inquérito instaurado pelo MPT para apurar a denúncia encaminhada pelo Sindicato dos Bancários em 2009, ficou comprovado que a Superintendência Regional do BB empregava condutas ofensivas à integridade moral dos empregados para aumentar o volume dos negócios do banco, dentre as quais ameaça de perda de cargo comissionado, pressão para prática de atos contrários a normas internas da instituição financeira, ridicularização pública, isolamento e quebra da comunicação do trabalhador com os demais empregados e colocação de apelidos depreciativos (dificultador, travador de crédito, dentre outros impublicáveis). A investigação apontou ainda que a instituição não só omitia-se perante esses fatos como legitimava essas práticas.

Para o procurador do trabalho Luís Antônio Barbosa da Silva, “a prática do assédio moral contou com a ciência e tolerância do banco, que se revelou omisso e tolerante ao processo de desestabilização moral que abalou o ambiente de trabalho.”  Ainda segundo o autor da ação, “os maus-tratos psicológicos afetaram a saúde e a autoestima dos trabalhadores, ensejando-lhes um quadro de estresse, depressão e ansiedade, o que os obrigou a afastar-se do trabalho para tratamento médico-psicológico.” Nesse sentido, Barbosa comemora a decisão judicial, destacando que o banco fica obrigado a disponibilizar assistência médica, psicológica e/ou psiquiátrica completa e gratuita a todos os empregados e ex-empregados que tenham sofrido violação em sua integridade física ou moral.

A sentença proferida pela juíza titular da 34ª Vara do Trabalho de Salvador,  Ana Paola Santos Machado Diniz, determina realização de campanha interna de conscientização com distribuição de cartilha, palestras periódicas sobre o tema a cada seis meses e pelo período de dez anos, afixação de cartazes e criação de meios para recebimento e processamento de denúncias sobre assédio moral. Também foi determinado ao BB que publique nota nos jornais de grande circulação pedindo desculpas aos funcionários atingidos com as práticas institucionais de cobrança e humilhação. Como a abrangência da decisão é de caráter nacional, o descumprimento das cláusulas em qualquer unidade da instituição no país pode acarretar em aplicação de multa de R$50 mil por cada item descumprido.

Bancos são líderes em assédio

A condenação do Banco do Brasil nessa ação põe luz ao grave problema do assédio moral em instituições bancárias. No setor, as metas estipuladas pela cúpula de cada banco e as práticas para forçar os empregados a atingi-las impõem um desafio diário e muitas vezes degradante. Em uma consulta com a participação de 37 mil trabalhadores do setor feita pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), 66,4% reclamaram de assédio moral.

O dado só reforça tendência identificada por pesquisadores há alguns anos relacionada com o aumento da terceirização e da precarização de condições de trabalho. Em média, segundo dados de estudo publicado em 2009 pela Universidade de Brasília (UnB), há uma tentativa de suicídio por dia no setor bancário brasileiro. Dessas, uma se consuma a cada 20 dias.

“A pessoa passa a maior parte de seu tempo no trabalho e quando este ambiente é contaminado pelo assédio moral o mínimo que acontece é uma redução na autoestima, podendo chegar a distúrbios de comportamento, alterações de humor e até o suicídio”, explicou o procurador regional do trabalho Manoel Jorge e Silva Neto em recente palestra. Para ele, “a crise nas relações humanas tem levado à reprodução no ambiente de trabalho de relações competitivas e utilitaristas, com reflexos nas relações do trabalhador com sua família e seus amigos.”

A mecanização do trabalho afeta a saúde dos trabalhadores e as consequências podem ser sentidas hoje ou daqui a alguns anos. Os índices são alarmantes e, segundo Cláudia Reina, juíza do Trabalho, estão relacionados a esta forma de abuso conhecida como assédio moral organizacional, em que abusos acontecem não em relações individuais, mas pela forma como o trabalho é organizado.

Acompanhamento psicológico

Cláudia Reina defende que é preciso aumentar o conhecimento sobre o problema, melhorando o registro de dados, incentivando a formação de especialistas no tema, e ampliando a divulgação de informações a respeito. Ela ressalta que as vítimas precisam de acompanhamento psicológico e diz que são necessárias mudanças no sistema judiciário que, “muitas vezes ainda fecha os olhos frente à violência psicológica”.

A situação motivou o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) a apresentar o Projeto de Lei do Senado (PLS 80/2009), que pretende alterar a Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) e inclui, entre os requisitos exigidos para habilitação de uma empresa no processo, a comprovação de que não há registros de condenação por assédio moral contra seus empregados nos últimos cinco anos. Se não houver recurso para votação do Plenário do Senado, a matéria seguirá direto para a Câmara dos Deputados depois de passar pela CCJ.


ACP nº 0001017-23.2011.5.05.0034

domingo, 19 de janeiro de 2014

BB cumpre jornada de seis horas após ação judicial do Sindicato do Ceará

A partir de amanhã, todos os funcionários do Banco do Brasil que exercem a função de Assistente A em Unidades de Negócios dentro da base territorial do Sindicato dos Bancários do Ceará passarão para a jornada de seis horas. Esta foi decisão judicial referente à ação coletiva de número 0000908-84-2012.5.07.0012, promovida pelo Sindicato, e atinge todos os bancários do BB nesta função.

“A decisão foi tomada em primeira instância e tem o objetivo de resguardar a jornada de trabalho dos bancários que são designados para trabalhar oito horas na referida função, mas que, por reconhecimento judicial, estão enquadrados na jornada de seis horas”, afirma advogada Ana Virgínia Porto, responsável pela ação judicial.

“Na prática, o banco infringia a lei e determinava que a jornada fosse de oito horas para esta função. Mas reconhecendo o perigo de pagar multa e aumentar um passivo trabalhista muito grande, o banco resolveu cumprir essa determinação. Com essa decisão, o Sindicato conseguiu o reconhecimento judicial de que, efetivamente, os bancários lotados nessa função devem trabalhar seis horas e não oito”, afirma o diretor jurídico do Sindicato, Gustavo Tabatinga.

Por ser em primeira instância, a decisão pode ser reexaminada a qualquer momento durante o processo, tanto para ser reafirmada como desconstituída. “A decisão se torna definitiva apenas após o transito em julgado, ou seja, apenas após o exame de todos os recursos possíveis e previstos em lei”, explica Virgínia. “A expectativa, porém, é de que essa decisão seja mantida nas próximas instâncias judiciais, pois todos os elementos que estão no processo se dirigem à sua manutenção”, completa.

Diante da decisão, desdobraram-se diversas dúvidas entre os bancários. O Sindicato reuniu as mais frequentes e, através do Departamento Jurídico, montou um conjunto de perguntas e respostas para tentar esclarecer a categoria. Confira:

Perguntas e Respostas

1 – Quem são os atingidos pela decisão?

São todos os funcionários que estão na ativa exercendo a função de Assistente A em Unidades de Negócios. Já os beneficiários da ação judicial em andamento são todos os funcionários que estavam na referida função trabalhando oito horas nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

2 – Qual a repercussão na remuneração desses trabalhadores atingidos pela liminar? Haverá redução salarial com a redução da jornada?

O entendimento do Sindicato é de que não deve haver redução de salário. Não se pode assegurar que o BB não vá efetivar uma redução da gratificação correspondente à função, mas o entendimento é de que não pode haver redução salarial. Se houver redução, a questão será discutida dentro do processo. No normativo interno do BB, não há previsão de dois valores diferenciados para quem exerce a referida função em seis horas e para quem exerce a mesma função em oito horas – como existe na Caixa Econômica, onde existe a previsão de dois valores diferentes para a função. A interpretação do Sindicato é de que a jornada é de seis horas, o valor é único e não pode haver redução.

3 – No início de 2013, o banco lançou um novo Plano de Funções, onde os funcionários puderam optar pela adesão a uma nova função de seis horas com redução salarial. Esses trabalhadores são atingidos por essa decisão?

Não, pois essa decisão se refere apenas quem é Assistente A em Unidade de Negócios. Vale ressaltar que neste caso o funcionário não é atingido pela decisão, mas é beneficiário do processo final referente ao período que ele exerceu a função desde que dentro dos últimos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

4 – Em relação às horas extras, esses trabalhadores na jornada de seis horas ficam em que circunstâncias? Esses trabalhadores podem trabalhar oito horas, fazendo sétima e oitava horas por decisão do banco?

Se a hora extra for eventual, que não precisa ser de duas horas necessariamente, e for paga, não há qualquer problema. É hora extra legítima.

5 – O banco pode continuar exigindo as oito horas pagando as duas horas extras?

Se houver a concordância do bancário, sim, pode.

6 – O cálculo da hora extra sofre alguma mudança?

Como há redução da jornada de trabalho sem redução salarial, o cálculo mudará, sim, pois a “hora-trabalho” ficou mais cara. O cálculo vai diferenciar da hora extra que estava sendo paga até então, quando o banco tinha como base uma hora normal que remunerava oito horas. Antes, o valor da hora da jornada de trabalho era baseado no valor da remuneração dessa função dividido por oito horas. Agora, passa a ser dividido por seis horas, aumentando o valor da hora trabalhada. Vai ser alterado o chamado “divisor”.

7- Essa decisão é definitiva? Como está o processo?

O processo agora vai ser analisado em segunda instância, onde a decisão pode ser mantida ou reformada. Se a segunda instância reformar a decisão, o BB pode voltar a exigir a jornada de oito horas. Existe ainda uma série de espécies recursais que podem ser manejadas e, após o trânsito em julgado e se mantida essa decisão nesses moldes, é que o Sindicato vai passar à liquidação ou ao cálculo das diferenças salariais.

(Colaboraram: Ana Virgínia Porto, Anatole Nogueira e Rafael Sales)

Fonte: SEEB/CE

Última atualização: 16/01/2014 às 20:27:03

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Justiça condena Santander a pagar R$ 10 milhões por jornada irregular



O Santander foi condenado a pagar dano moral coletivo de R$ 10 milhões por haver controle irregular da jornada de trabalho. A sentença foi dada pela juíza Érica de Oliveira Angoti, da 7ª Vara do Trabalho de Brasília, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). A decisão também proíbe o banco de prorrogar a carga horária dos empregados além dos limites previstos na legislação.

Terceiro maior banco privado do Brasil, o Santander deve ainda cumprir adequadamente o intervalo durante o expediente. Se descumprir a decisão, terá de pagar R$ 10 mil por empregado em situação irregular. Os valores serão revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Segundo a juíza Érica Angoti, os trabalhadores foram coagidos e impedidos de efetuar os registros de acordo com a jornada efetivamente trabalhada.

Para o procurador Carlos Eduardo Brisolla, autor da ação, o Santander modificou de maneira irregular os horários de entrada, saída e repouso de seus empregados. "Os horários assinalados nos cartões de ponto eletrônico não batem com os de abertura e fechamento das microfichas da fita do caixa. Isso demonstra cabalmente a existência de fraude no ponto eletrônico do Santander, confirmando a inidoneidade de todos os controles de jornada, sejam manuais ou eletrônicos", destaca.

Fonte: MPT

domingo, 12 de janeiro de 2014

Marxismo e natureza humana


Para argumentar que capitalismo é inevitável, seus defensores associam ser humano a cobiça, rivalidade e ostentação. Marx desmontou tal crença

Por Valério Arcary, editor do Blog Convergência







Se se entende que toda transgressão contra a propriedade, sem entrar em distinções, é um roubo, não será um roubo toda a propriedade privada?
Acaso minha propriedade privada não exclui a todo terceiro desta propriedade?
Não lesiono com isso, portanto, seu direito de propriedade? [1]

Karl Marx, Os debates na Dieta Renana sobre as leis castigando os roubos de lenha
O argumento que defende a justiça da propriedade privada foi sempre a pedra angular do liberalismo. Se o direito à propriedade privada fosse ameaçado, argumentaram os liberais, a liberdade seria destruída. Se a possibilidade de acumulação ilimitada de capital fosse reduzida, ou o direito de herança condicionado, as restrições à busca do enriquecimento teriam conseqüências catastróficas: o crescimento econômico seria sacrificado, a inovação tecnológica inibida e o espírito de iniciativa amputado. A sociedade estaria condenada ao atraso, à estagnação e até à preguiça.

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Depois da restauração capitalista na Rússia e no Leste Europeu, inventaram-se eufemismos para garantir dignidade a valores desmoralizados diante da sociedade na etapa histórica anterior pela experiência social. Depois da derrota do nazi-fascismo a idéia da solidariedade humana tinha estabelecido raízes sólidas na maioria das sociedades urbanizadas. Para desqualificar os princípios mais elementares de justiça e solidariedade, a ganância foi validada como ambição legítima. A cobiça foi  promovida a aspiração de aquisitividade. A rivalidade ganhou ares respeitosos como competição pela eficiência. E a ostentação foi reconhecida como exibição da prosperidade.

O homem como lobo do homem

Remetendo as formas econômicas da organização social contemporânea às características de uma natureza humana invariável – o homem como lobo do homem –, o liberalismo fundamentava a justificação do capitalismo na desigualdade natural. A rivalidade entre os homens e a disputa pela riqueza seriam um destino incontornável. Um impulso egoísta ou uma atitude comodista, uma ambição insaciável ou uma avareza incorrigível definiriam a nossa condição. Eis o fatalismo: o individualismo seria, finalmente, a essência da natureza humana. E a organização política e social deveria se adequar à imperfeição humana. E resignar-se.

Uma humanidade dominada pela mesquinhez, pela ferocidade, ou pelo medo precisaria de uma ordem política disciplinada, portanto, repressiva, que organizasse os limites de suas lutas internas como uma forma de “redução de danos”.

Resumindo e sendo brutal: o direito ao enriquecimento seria a recompensa dos mais empreendedores, ou mais corajosos, ou mais capazes e seus herdeiros. A propriedade privada não seria a causa da desigualdade, mas uma consequência da desigualdade natural. É porque são muito variadas as habilidades e disposições que distinguem os homens que, segundo os defensores de uma natureza humana rígida e inflexível, existe a propriedade privada, e não o inverso. A diversidade entre os indivíduos, inata ou adquirida, seria o fundamento da desigualdade social. Em consequência, o capitalismo seria o horizonte histórico possível e o limite do desejável. Porque com o capitalismo, em princípio, qualquer um poderia disputar o direito ao enriquecimento. Os liberais sempre se apressaram em admitir que nem todos o conseguirão, por certo, para mascarar sua defesa com um tempero de realidade.

Esses argumentos não têm, no entanto, o mais mínimo fundamento científico.  Em oposição à visão de uma natureza humana inflexível, o marxismo nunca defendeu a visão simétrica e ingênua de uma humanidade generosa e solidária. Nem fundamentou a necessidade da igualdade social em uma suposta igualdade natural. O que o marxismo afirmou é que a natureza humana tem dimensão histórica e, portanto, se transforma.  O que o marxismo preservou foi a idéia de que a diversidade de capacidades não permite explicar a desigualdade social que nos divide. É a exploração de uns pelos outros a causa da desigualdade, e não o contrário.

O capitalismo não é meritocrático

A injustiça do mundo que nos cerca não repousa em critérios meritocráticos. A diferença de talentos e a variedade de capacidades não têm relação direta com o lugar que cada ser humano ocupa nas sociedades estratificadas em classes. Não há nenhum mérito em nascer em uma família burguesa, proletária ou de classe média. Não há nenhum valor em nascer na Nigéria ou na Noruega, na Grécia ou na Alemanha.
Na sociedade contemporânea, a condição de classe é determinada pelo direito de herança, na mesma proporção em que em outras épocas era garantida pelo berço familiar. Pior, na maior parte do mundo, as oportunidades de ascensão social ou permaneceram estagnadas ou vieram diminuindo no último quarto de século. A geração mais jovem desconfia que não irá melhorar suas condições de vida, comparativamente, às de seus pais.
A mobilidade social foi reduzida, tanto no centro como na periferia do capitalismo. As possibilidades de melhorar de vida pelo talento ou pelo esforço vieram sendo reduzidas. A inteligência ou a perseverança, a criatividade ou a audácia são aptidões que podem ser encontradas em todas as classes. Porém, a ironia é que será encontrada, com maior freqüência, entre os trabalhadores.
Estas qualidades serão descobertas em maior número entre os filhos do trabalho manual pela mesma razão que entre eles se encontrarão, também, a maioria dos que têm gripe, a maioria dos estrábicos ou a maioria dos que têm nariz grande: porque são as maiorias. A desigualdade do mundo que nos cerca não é nem justa, nem racional. Sua explicação, para os socialistas, é o capitalismo. Ser socialista é ser um inimigo irreconciliável do direito ilimitado à propriedade privada.

 A causa mais elevada do tempo que nos coube viver

O interesse pelo tema da natureza humana ressurgiu nos primeiros anos do século XXI provocado por novas linhas investigativas da biologia evolucionista e da antropologia cultural. Não foi a primeira vez que os caminhos da biologia se cruzaram com os da história. A tese de Darwin de que a espécie humana teria sido desenhada pelo seu passado revolucionou a biologia a partir de 1859, quando da publicação daOrigem das espécies, e foi uma das maiores realizações científicas de todos os tempos. Mudou profundamente a percepção que a humanidade tinha sobre si própria.

A descoberta de que a escala da vida nos remete a um processo de muitas centenas de milhões de anos não desvalorizou a humanidade; ao contrário, ofereceu-nos um sentido de proporções da responsabilidade com a nossa sobrevivência. A maioria das formas de vida que existiram na Terra já foi à extinção, e por mais de uma vez. A revelação de uma ascendência comum com os símios colocou de pernas para o ar a perspectiva de uma humanidade predestinada a ser a coroação da vida. A vida é frágil. Não há um destino à nossa espera. O amanhã nos reserva muitos perigos. Sabemos que a centelha de consciência que nos define foi o produto de uma aventura grandiosa.

As espantosas sugestões da biologia evolucionista não diminuíram as perspectivas de futuro da humanidade. Ajudam a compreender a imponência das realizações humanas na história. Construímos uma civilização tecnológica e, culturalmente, complexa. Mas, podemos nos autodestruir. Se não encontrarmos soluções para os impasses do mundo contemporâneo, com suas terríveis lutas de classes, poderemos perecer. A causa mais elevada do nosso tempo é a defesa da humanidade. Nada é mais importante. Para os socialistas, a permanência do capitalismo é a principal ameaça à vida civilizada.                    

Contra o determinismo biológico

O darwinismo deixou-nos um extraordinário alerta. A vida é delicada e a extinção não é excepcional. A extinção é o padrão mais regular. Porém, o darwinismo exerceu também uma influência duradoura – e desastrosa – sobre as ciências sociais. Os nacionalismos exaltados das potências européias, no final do século XIX, apropriaram-se abusivamente da idéia de uma competição individual pela sobrevivência dos mais adaptados, para justificar a conquista de um Estado sobre outros. Não fosse isso o bastante, defenderam a idéia abjeta do domínio de uma civilização sobre outras e, no limite mais repulsivo do nazismo, de uma suposta raça superior sobre outras. Os mais desenvolvidos economicamente seriam os mais capazes.
A idéia de uma seleção sexual dos mais aptos – aqueles que superaram os obstáculos e foram capazes de deixar descendência – foi transportada para a economia para justificar o mercado como forma mais eficiente, e até natural, de regulação de recursos. A desigualdade social seria, também, natural. E o que é natural, seria irremediável.

No final do século XX, a biologia viveu uma nova revolução científica que coincidiu, em muitas das suas conclusões, com hipóteses sugeridas pela história. Esses avanços científicos estão ampliando as possibilidades da pesquisa histórica e são muito animadores, como alertou Hobsbawm (2004): “Para resumir, a revolução do DNA invoca um método particular, histórico, de estudo da evolução da espécie humana [...] Em outros termos, a história é a continuação da evolução biológica do homo sapienspor outros meios.”

O projeto Genoma enterrou as teorias racistas ao demonstrar, definitivamente, que não existem raças humanas, e as pequenas variações entre as populações de ascendência americana, européia, africana ou asiática são muito recentes. Poderia não ter sido assim, se o intervalo de separação dos grupos humanos tivesse sido mais longo, mas as poucas dezenas de milhares de anos de isolamento, interrompido há 500 anos, não foram suficientes para a fixação de diferenças significativas.

As descobertas do DNA permitiram, por exemplo, por meio da marcação das mitocôndrias (uma molécula herdada em todos os seres humanos por linhagem materna), um novo método de datações. Já está sendo rediscutido que o povoamento original das Américas, pouco antes do fim da última glaciação, teria sido realizado em sucessivas vagas por populações geneticamente mais variadas do que até então se presumia.
As premissas anti-históricas criacionistas de uma natureza humana invariável, e ainda por cima cruel, sinistra e malvada, embora ainda exerçam alguma influência sobre o senso comum, são inaceitáveis.

A humanidade compartilhou a capacidade de amar e odiar, confiar e temer, identificar e repudiar, desejar e rejeitar, admirar e querer, sorrir e desprezar, invejar e imitar, ou seja, todo um repertório de ações e reações dos homens uns com os outros – colaboração e conflito –, impulsionadas pela necessidade de sobrevivência na natureza, que resultaram em experiências históricas, e se concretizaram em relações sociais. Transformamos valores e costumes, através da história, da mesma maneira que melhoramos nossas ferramentas, e podemos sonhar nas mudanças que ainda estão por vir.

A história foi um processo cultural de readaptação da humanidade. Essa capacidade de autotransformação foi uma das constantes que oferecem coerência interna à própria história, e permitem que ela seja compreendida. Por isso, a esperança triunfará.

*Valério Arcary é Professor no IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo)

Referências bibliográfias:

HOBSBAWM, Eric. Manifesto pela renovação da História. Le Monde Diplomatique, 1 dez. 2004.


MARX, Karl. Los debates de la VI Dieta Renana: debates sobre la ley castigando los robos de leña. Traducción y organización de ROCES, Wenceslao. In: Escritos de juventud. México: Fondo de Cultura Económica, 1987.p.248-283.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Diretores do Banco do Brasil recebem R$52 mil por mês de aposentadoria



A exigência para que o Banco do Brasil estabeleça um teto nas aposentadorias pagas aos executivos do maior banco do País gera uma disputa interna no governo que põe de um lado os ministérios da Fazenda e do Planejamento e, de outro, o da Previdência.

O motivo é que o órgão regulador dos fundos de pensão, a Superintendência de Previdência Complementar (Previc), determinou que os benefícios pagos à alta cúpula do BB não ultrapassem R$ 30 mil mensais.
O banco aceita colocar um teto para as aposentadorias, mas tomando como referência o salário de um diretor da instituição, de R$ 45 mil por mês.

Para a Previc, se o BB quiser pagar aposentadorias maiores para seus executivos, é o banco público - e não sua caixa previdenciária, a Previ - que deve assumir a diferença. Assim, os cerca de 118 mil funcionários, aposentados e pensionistas associados ao plano de benefício definido ficariam livres dessa conta.

O órgão ainda sugere que o BB assuma a diferença dos cerca de 70 benefícios que foram pagos acima do que seria esse teto nos últimos cinco anos. A ideia impactaria o balanço do banco em R$ 1 bilhão.
Divisão. Com o impasse, os ministérios aos quais esses órgãos estão vinculados acabaram por entrar na disputa. De um lado, o Ministério da Previdência apoiou a decisão da Previc. De outro, a Fazenda e o Planejamento ficaram ao lado do BB.

Se aposentassem hoje com esses salários e o teto estivesse em vigor, os rendimentos deles seriam reduzidos em cerca de R$ 20 mil mensais. Há aproximadamente 30 dirigentes que reúnem condições de se aposentar ou podem pedir o benefício nos próximos anos.

O ministro da Previdência, Garibaldi Alves (PMDB), apoia a decisão do presidente da Previc, José Maria Rabelo, que, segundo fontes, não pretende voltar atrás da decisão. A pessoas próximas, Rabelo disse que "não há forças que o faça voltar atrás porque está seguro em relação à autoridade da instituição que comanda".

Garibaldi tem afirmado que a solução final implicará na adoção, por parte dos diretores do banco, de um "espírito de renúncia".

O Estado apurou que o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN) chegou a aconselhar o ministro a demitir o subordinado, comprando a briga pelo lado do BB. Contudo, o ministro Garibaldi teria respondido que concorda com Rabelo.

No ministério, a avaliação é que se Rabelo não conseguir fixar o teto, ele mesmo pedirá para sair do cargo.Já os ministérios da Fazenda e do Planejamento apoiam o banco. Nos bastidores, o que se comenta é que Rabelo estaria dedicando toda sua gestão à definição do teto como vingança por ter sido demitido pelo atual presidente do BB, Aldemir Bendine, quando este assumiu o comando do banco.

Rabelo se aposentou em agosto de 2008, mas continuou no Banco do Brasil como vice-presidente até abril de 2009, acumulando as duas rendas.

Prazo. A Previc deu a semana passada como prazo para que o teto fosse colocado em prática sob pena de intervir na Previ, maior fundo de pensão da América Latina e o 25º do mundo. O fundo havia pedido a prorrogação do prazo por quatro meses.

A imposição do teto repercutirá diretamente na aposentadoria dos atuais dirigentes do BB, incluindo o presidente de Bendine. Os atuais dirigentes - presidentes, vice-presidentes e diretores - ganham, em média, R$ 52 mil por mês.

Murilo Rodrigues Alves e Andreza Matais
O Estado de S. Paulo