Agência Brasil

Em entrevista à Agência
Brasil, a representante da Walk Free no país, Diana Maggiore, conta que o
número de pessoas escravizadas hoje cresceu 20%, em relação aos 29,8 milhões de
pessoas apontadas no The Global Slavery Index 2013, o primeiro relatório da
organização.
Segundo a Walk Free, no
Brasil há cerca de 220 mil pessoas trabalhando como escravos. Maggiore explicou
que, em 2013, pela primeira vez, o número de pessoas resgatadas de situações de
escravidão no setor urbano foi maior que no setor rural no país. “Por causa dos
eventos esportivos, tivemos muitos registros na construção civil e a tendência
deve continuar até as Olimpíadas. O Brasil está crescendo, daqui a alguns anos
pode ser diferente”, disse.
Entre as formas de
escravidão estão o tráfico de pessoas, o trabalho infantil, a exploração
sexual, o recrutamento de pessoas para conflitos armados e o trabalho forçado
em condições degradantes, com extensas jornadas, sob coerção, violência, ameaça
ou dívida fraudulenta. Os últimos dados da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), de 2012, apontam que
quase 21 milhões de crianças e adultos estão presos em regimes de escravidão em
todo o mundo.
O maior número de
trabalhadores forçados, segundo a OIT, está na Ásia e região do Pacífico, com
11,7 milhões de pessoas nessas condições. No último dia 23 de outubro, Sandra
Miranda, de Brasília, recebeu uma encomenda do site chinês AliExpress com um
pedido de socorro: “I slave. Help me [Sou escravo, ajude-me]”. A filha da
advogada colocou a foto da mensagem nas redes sociais e já teve mais de 15 mil
compartilhamentos. “Fiquei perplexa, pensei até que fosse brincadeira, mas o
pacote estava muito bem fechado, então veio mesmo de quem embalou”, disse.
“A alegação feita
contra um dos vendedores da plataforma AliExpress está sendo investigada”,
respondeu a empresa do Grupo Alibaba à Agência Brasil. Segundo Sandra Miranda,
um representante da empresa entrou em contato e explicou que o site apenas
revende os produtos que já chegam embalados de diversas fábricas e que
precisaria rastrear de qual vendedor veio o seu produto.
A Embaixada da China no
Brasil respondeu dizendo que o país asiático tem leis que proíbem rigorosamente
o trabalho escravo e um órgão que atua para sua erradicação, similar ao
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no Brasil. Sobre o pedido de socorro no
pacote de Sandra Miranda, não há solução, segundo a embaixada, já que no
bilhete não havia nome, nem nada que pudesse levar à identificação da vítima.
A mensagem, entretanto,
chamou atenção para a situação dos trabalhadores daquele país. Segundo o
coordenador Nacional do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT no
Brasil, Luiz Machado, já houve outras mensagens semelhantes, não só no Brasil,
e mostra um problema grave que deve ser endereçado às autoridades chinesas.
Machado explica que,
independente da China não ter ratificado as convenções sobre trabalho escravo
da organização, a OIT lançou em 1998 a Declaração de Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho, que prega a erradicação do trabalho escravo e
infantil, a não discriminação no trabalho e a liberdade sindical. “A China fez
avanços e vem trabalhando melhor a regulação da relação de trabalho, coisa que
nem existia por lá. A OIT tem escritório no país e projetos de cooperação
técnica na área, ela [China] vem se abrindo a aceitar essa cooperação, aceitar
observar os direitos humanos”, explicou.
Segundo Machado, o
perfil de trabalhadores escravizados na Ásia não é muito diferente de outros
lugares do mundo. São pessoas pobres, a maioria mulheres e crianças, por serem
mais vulneráveis, que geralmente migram do seu local de origem, dentro do
próprio país ou não, por conta própria ou forçados, e sem educação formal
aceitam qualquer proposta de trabalho; podem ser enganadas ou ter a liberdade
cerceada e acabam aceitando a exploração por ser a única forma de ganhar um
pouco de dinheiro ou comida.
O coordenador da OIT
explica que qualquer governo que tenha relações comerciais com outro país e que
perceba que, no processo de fabricação de seus produtos, há a utilização de
trabalho escravo, pode impor condições para sua comercialização, assim como faz
o setor privado.
“Temos o caso clássico de
Myanmar, que sofreu condenação na OIT e sanções econômicas por causa da
exploração de trabalho forçado. Existem casos mais específicos de empresas
privadas, como o embargo da indústria automotiva ao aço brasileiro. Em
determinado momento, descobriu-se que o carvão utilizado em siderúrgicas vinha
de trabalho escravo e infantil e do desmatamento ilegal. As pessoas começaram a
dar mais atenção a toda a cadeia de valor”, contou Machado.
Segundo o Ministério
das Relações Exteriores, o Brasil não mantém acordos bilaterais de combate ao
trabalho escravo nem impõe sanções unilaterais a outros países por questões
sociais. “O Brasil defende que eventuais sanções sejam determinadas por órgãos
multilaterais como o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na área de
combate internacional ao trabalho escravo, o país participou neste ano, em
Genebra, da elaboração do novo protocolo da Convenção da OIT sobre trabalho
escravo. O governo brasileiro deverá ser um dos primeiros países a
ratificá-lo”, disse o Itamaraty, em nota.
Segundo Machado, o
Brasil é um dos pouquíssimos países que tem estrutura específica de combate ao
trabalho escravo, que são os grupos de fiscalização móvel do MTE, em parceria
com a Polícia Federal. De 1995 até 2013, quase 47 mil vítimas foram resgatadas
da situação de escravidão no Brasil, entre brasileiros e estrangeiros.
Historicamente, os setores agropecuário e sucroalcooleiro são os que mais
aparecem na lista suja do trabalho escravo, mas a construção civil e a moda vêm
ganhando destaque.
Para o coordenador da
OIT no Brasil, o país deve se preparar para enfrentar a questão da imigração,
já que cada vez mais latino-americanos, africanos e asiáticos estão vindo em
busca de trabalho. “Não há um processo ainda desburocratizado para apoiar o trabalhador
migrante. O Estatuto do Estrangeiro, de 1980, tem que ser revisado e adequado
ao novo cenário global de fronteiras”, argumentou Machado.
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