segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Seguros de luxo: Setor Público Para proteger executivos contra processos, estatais recorrem a milionárias apólices…

Setor Público Para proteger executivos contra processos, estatais recorrem a milionárias apólices. Mas a blindagem favorece abusos

CARTA CAPITAL | Seu País

POR ANDRÉ BARROCAL

Uma MILIONÁRIA batalha judicial entre funcionários e dirigentes do Banco do Brasil com julgamento marcado para 7 de março coloca na berlinda um fenômeno recente no País. É crescente o número de estatais contratando seguro para proteger o patrimônio de executivos contra multas em processos e despesas com advogados. A apólice é comum há tempos no setor privado. mas no público está mais para novidade e ainda é tratada com discrição. Pois uma ação por dano moral contra o Banco do Brasil tenta, também, proibir o uso do “seguro de luxo” em favor de cinco diretores acusados individualmente no mesmo processo. Polêmica: quais os limites razoáveis desse tipo de seguro?

Um documento descritivo da apólice contratada pelo Banco e que chegou ao juiz do caso, Denilson Bandeira Coelho, titular da 4ª Vara do Trabalho de Brasília, ajuda a entender por que há um certo laconismo em torno do assunto. O seguro tem uma cláusula de confidencialidade. como acontece com todos os do gênero. O documento circulou pela cúpula do Banco do Brasil em novembro de 2012. em uma troca de e-mails sobre a renovação do acordo a vencer em março de 2013. Pelo texto, a seguradora custeia até 304 milhões de reais em gastos gerados por processos contra dirigentes.

Essa cobertura ó provida pelo Banco desde 2007, com endosso do estatuto interno e da Incidas Sociedades Anônimas. Blinda conselheiros, diretores e gerentes em processos por atos praticados no cargo. E extensiva a cônjuges e filhos e, mais importante, vale mesmo após o dirigente deixara empresa. Cobre, por exemplo, demandas fiscais (o Código Tributário Nacional atinge o gestor juntamente com a empresa). Processos da companhia contra um administrador que lhe tenha causado prejuízo patrimonial (ação prevista na Lei das S.As.). E pedidos de reparação financeira por ofensa ou violação do direito de outra pessoa (ação com base no Código Civil). Essa última hipótese encaixa-se na ação civil pública de maio de 2013 movida contra o Banco do Brasil.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal Cobra 60 milhões de reais por dano moral coletivo. valor que teria de ser rateado entre a empresa e cinco diretores: Carlos Araújo Netto (Pessoal). Carlos Leal Neri (Relações com Funcionários). Luiz Guimarães de Freitas (Tecnologia). Raul Francisco Moreira (cartões) e Admilson Monteiro Garcia (Negócios Internacionais). A instituição teria demitido funcionários que foram à Justiça reivindicar horas extras não pagas, como seis deles testemunharam ao juiz Coelho em novembro. Para o MPT, as demissões foram uma retaliação e uma tentativa de inibir novos processos, configurando violação do direito de os trabalhadores recorrerem ao Judiciário.

Autor da ação. o procurador Adélio Justino Lucas acredita que a postura do Banco foi facilitada pelo que ele chama de “seguro de luxo”. Com o patrimônio blindado, os gestores “sentem-se mais \ confortáveis” para praticar atos questionáveis. Por isso, o procurador quer que a Justiça afaste a aplicação do seguro no caso da ação civil, para o dano moral afetar o bolso dos executivos. Os advogados do Banco tentaram tirar Lucas ” do caso. Pediram ao Conselho Nacional do Ministério Público um processo disciplinar pelo que consideram “assédio moral processual” e “litigância de má-fé”, o CNMP arquivou a solicitação. O Banco nega que haja perseguição a funcionários e diz que as demissões foram ato de gestão, como três dos diretores acusados declararam ao juiz em novembro.

O pano de fundo da batalha judicial é um passivo trabalhista que pode chegar a bilhões, diz Wescly Queiroz, secretário de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Bancários de Brasília. Em 2000, o Banco baixou uma norma interna que levou muito Bancário, cuja jornada é de seis horas, a trabalhar por oito. Eram tempos do neoliberalismo de FHC, a enxugar a empresa para privatizá-la. Em 2005, já no governo Lula e sem temer a privatização, o sindicato conseguiu na Justiça que as ações dos bancários por hora extra pudessem exigir dez anos passados, não só cinco, como é praxe para todas as categorias. Muitos esperaram o fim da gestão Lula. em 2010, para pedir hora extra desde 2000. Sentenças de mais de 1 milhão de reais a favor de bancários que recorreram começaram a se avolumar a partir de 2012. Um pesadelo para o Banco do Brasil, que em janeiro do ano passado editou outra norma interna tentando fechar a brecha legal das ações. Norma igualmente contestada pelos bancários.

Autor da denúncia ao MPT que deu origem à ação civil, o sindicalista Manoel Leite Magalhães, funcionário de carreira do Banco há 35 anos, diz que o seguro também é herança de Fernando Henrique, cujo governo teria, de forma clandestina, buscado proteger os executivos que atuavam guiados por princípios privatizadores. As primeiras noticias sobre seguro corporativo em estatais surgiram em 2009, a relatar sua existência em empresas paulistas, como Metrô e Sabesp, na gestão do então governador José Serra (PSDB).

Hoje se sabe que, no plano federal, a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também têm esse tipo de apólice. Oferecer o benefício é um modo de atrair bons executivos, sobretudo para as estatais que competem com empresas particulares, como é o caso do Banco do Brasil. Isso porque esse seguro, conhecido como D&O, é corriqueiro no mundo privado, nos Estados Unidos, j na Europa. O dilema, diz o advogado Leonardo Romeiro Bezerra, do escritório Aidar SBZ, especializado em direito ; administrativo, está na abrangência da apólice. Quanto mais ampla ela for. maioria chance de acobertar irregularidades.

Uma decisão de novembro de 2013 tomada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que auxilia o Congresso a vigiar o governo federal, tentou estabelecer alguns limites. O TCU examinava uma licitação do fim de 2012 lançada pela Eletrobras para contratar o Seguro D&O para seus dirigentes. Depois de alguma polêmica, a maioria dos ministros liberou a licitação, até então embargada. Argumento: a empresa não poderia ficar em desvantagem perante a concorrência, como defendia o relator, Raimundo Carreiro. Com isso, o TCU criou jurisprudência favorável ao seguro.

Em relação àquilo que a apólice pode cobrir, nova polêmica. Se puder ser acionada para proteger o patrimônio de um dirigente processado por fraude pelo Ministério Público ou pelo próprio TCU, não seria um convite a irregularidades? Prisão e multas são fantasmas a inibir o malfeito. No fim do julgamento, o tribunal restringiu a cobertura. Deveriam ser excluídos todos os casos que estiverem ao alcance dos órgãos de controle (MP,TCU) sempre que ficar provado que o réu agiu com dolo. ou seja, consciente da ilegalidade.

A vigilância dos órgãos de controle e a ameaça de processos atingirem servidores. enquanto pessoas físicas, são considerada s e ni Brasília como paralisantes da máquina pública. Um alto dirigente de uma estatal federal que não possui seguro disse a CartaCapital, com ironia, que sente certa inveja da apólice alheia. Ele afirmou que convive com um temor diário de assinar papéis, aflito com a possibilidade de um dia, já fora do governo, ver seu CPF em uma ação judicial. O emaranhado de leis e órgãos de controle. disse. deixa-o exposto a processos, inclusive motivados por razões políticas traves-tidas de técnicas.


Durante o segundo mandato, no qual lançara o programa de obras batizado PAC, o ex-presidente Lula costumava se queixar de que os órgãos de controle que diziam “não pode fazer” eram mais eficientes do que os encarregados de dizer “como se pode fazer”.

Um comentário:

  1. Muito interessante a matéria. Não sabia da existência desse tipo de seguro.

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