
“A
dívida pública passa a crescer de forma descontrolada, levando o governo a
contingenciar o orçamento das áreas sociais”, diz a auditora fiscal Maria Lucia
Fattorelli
O
Orçamento Federal de 2013 é de 2,14 trilhões de reais e, repetindo a mesma
prática adotada há décadas, concede absoluta prioridade ao pagamento dos juros
e amortizações da dívida pública – interna e externa. Essa dívida jamais foi
auditada, a despeito do que determina o artigo 26 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988.
Em
sua avaliação, o orçamento da União está repetindo a mesma prática adotada há
décadas, ou seja, “concede absoluta prioridade ao pagamento dos juros e
amortizações da dívida pública – interna e externa”. Os valores destinados à
dívida, ressalta, “nunca deixam de ser gastos”. Entretanto, os “valores
designados para áreas sociais podem não ser totalmente executados (...) sob a
justificativa de garantir o cumprimento da chamada meta de superávit primário,
uma reserva orçamentária destinada exclusivamente ao pagamento da dívida
pública”.
Maria
Lucia enfatiza que o pagamento da dívida “favorece uma reduzida parcela de
rentistas, que, à custa das restrições cada vez maiores aos direitos sociais,
têm registrado lucros recordes”. E dispara: “A dívida pública se transformou em
um mero instrumento do mercado financeiro. Em lugar de servir como meio de
obtenção de recursos para financiar o Estado e incrementar as condições de vida
de todos os brasileiros, tornou-se um mecanismo de subtração de crescentes
volumes de recursos públicos, inviabilizando a destinação de verbas para áreas
sociais e provocando a piora nas condições de vida da sociedade em geral,
enquanto favorece o setor financeiro”.
Isso
tem ocorrido mesmo com as anunciadas reduções da taxa básica de juros (taxa
Selic), pois, pelo atual sistema de lançamento de títulos da dívida pública,
apenas doze bancos podem adquiri-los junto ao Tesouro Nacional. Esses bancos,
chamados de dealers, somente compram títulos quando a taxa de juros oferecida
atinge o patamar que eles desejam. Com isso, apesar da queda da Selic, na
prática continuamos a pagar a maior taxa de juros do mundo, ou seja:
–
enquanto o governo alardeia a comemoração sobre a redução da Taxa Selic para
7,5% ao ano, o custo médio efetivo da dívida pública federal está 11,3% ao ano
(Tabela do Tesouro Nacional – Quadro 4.1);
–
justamente quando a Selic passou a cair o Tesouro Nacional passou a vender os
títulos lastreados em taxas fixas bem superiores à Selic, o que demonstra o
forte poder dos bancos sobre a administração da dívida pública no Brasil;
–
atualmente apenas uma parcela equivalente a 24,57% da dívida mobiliária de
responsabilidade do Tesouro Nacional está atrelada à Selic.
Analisando
historicamente a peça orçamentária, existe diferenças significativas entre os
governos militares, era FHC e agora os governos Lula e Dilma?
Há
mais semelhanças do que diferenças, pois todos estes governos atenderam às
recomendações do Fundo Monetário Internacional – FMI e do sistema financeiro na
elaboração do orçamento, priorizando o pagamento da dívida em detrimento das
áreas sociais. Desde o golpe militar de 1964, as condições sociais dos
brasileiros vêm deteriorando, e medidas essenciais – tais como reforma agrária,
implantação de modelo tributário justo, prioridade dos gastos com educação e
saúde, entre outras – vão ficando cada vez mais longínquas.
A
alteração mais relevante é de caráter apenas aparente: se antes havia a
preponderância da dívida externa, hoje a maior parte dos gastos com a dívida se
referem à denominada dívida interna, que, apesar do nome, também possui como
beneficiários bancos e investidores estrangeiros. A dívida interna é uma nova
face da dívida externa e continua retirando recursos dos mais pobres (por meio
dos tributos incidentes sobre o consumo e sobre os salários) para privilegiar
os rentistas e especuladores.
Maria
Lucia Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira
Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da
Dívida Pública – CAIC no Equador em 2007-2008. Participou ativamente nos
trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida realizada no
Brasil. É autora de Auditoria Da Divida Externa. Questão De Soberania
(Contraponto Editora, 2003).
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