À Presidenta
Dilma Rousseff,

O Movimento Passe Livre, desde o começo, foi parte desse processo.
Somos um movimento social autônomo, horizontal e apartidário, que jamais
pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomou as ruas do país.
Nossa palavra é mais uma dentre aquelas gritadas nas ruas, erguidas em
cartazes, pichadas nos muros. Em São Paulo, convocamos as manifestações com uma
reivindicação clara e concreta: revogar o aumento. Se antes isso parecia
impossível, provamos que não era e avançamos na luta por aquela que é e sempre
foi a nossa bandeira, um transporte verdadeiramente público. É nesse sentido que
viemos até Brasília.
O transporte só pode ser público de verdade se for acessível a todas e
todos, ou seja, entendido como um direito universal. A injustiça da tarifa fica
mais evidente a cada aumento, a cada vez que mais gente deixa de ter dinheiro
para pagar a passagem. Questionar os aumentos é questionar a própria lógica da
política tarifária, que submete o transporte ao lucro dos empresários, e não às
necessidades da população. Pagar pela circulação na cidade significa tratar a
mobilidade não como direito, mas como mercadoria. Isso coloca todos os outros
direitos em xeque: ir até a escola, até o hospital, até o parque passa a ter um
preço que nem todos podem pagar. O transporte fica limitado ao ir e vir do
trabalho, fechando as portas da cidade para seus moradores. É para abri-las que
defendemos a tarifa zero.
Nesse sentido gostaríamos de conhecer o posicionamento da presidenta
sobre a tarifa zero no transporte público e sobre a PEC 90/11, que inclui o
transporte no rol dos direitos sociais do artigo 6o da Constituição Federal. É
por entender que o transporte deveria ser tratado como um direito social, amplo
e irrestrito, que acreditamos ser necessário ir além de qualquer política
limitada a um determinado segmento da sociedade, como os estudantes, no caso do
passe livre estudantil. Defendemos o passe livre para todas e todos!
Embora priorizar o transporte coletivo esteja no discurso de todos os
governos, na prática o Brasil investe onze vezes mais no transporte individual,
por meio de obras viárias e políticas de crédito para o consumo de carros
(IPEA, 2011). O dinheiro público deve ser investido em transporte público!
Gostaríamos de saber por que a presidenta vetou o inciso V do 16º artigo da
Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12) que responsabilizava
a União por dar apoio financeiro aos municípios que adotassem políticas de
priorização do transporte público. Como deixa claro seu artigo 9º, esta lei
prioriza um modelo de gestão privada baseado na tarifa, adotando o ponto de
vista das empresas e não o dos usuários. O governo federal precisa tomar a
frente no processo de construção de um transporte público de verdade. A
municipalização da CIDE, e sua destinação integral e exclusiva ao transporte
público, representaria um passo nesse caminho em direção à tarifa zero.
A desoneração de impostos, medida historicamente defendida pelas
empresas de transporte, vai no sentido oposto. Abrir mão de tributos significa
perder o poder sobre o dinheiro público, liberando verbas às cegas para as
máfias dos transportes, sem qualquer transparência e controle. Para atender as
demandas populares pelo transporte, é necessário construir instrumentos que
coloquem no centro da decisão quem realmente deve ter suas necessidades
atendidas: os usuários e trabalhadores do sistema.
Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela força das ruas, que
avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais no Brasil sempre
sofreram com a repressão e a criminalização. Até agora, 2013 não foi diferente:
no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas e a Força
Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma
reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas semanas em meio às
mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da FIFA. A resposta da polícia
aos protestos iniciados em junho não destoa do conjunto: bombas de gás foram
jogadas dentro de hospitais e faculdades; manifestantes foram perseguidos e espancados
pela Polícia Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas
arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e
incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada
sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás lacrimogêneo. A
verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado – em todas as
suas esferas.
A desmilitarização da polícia, defendida até pela ONU, e uma política
nacional de regulamentação do armamento menos letal, proibido em diversos
países e condenado por organismos internacionais, são urgentes. Ao oferecer a
Força Nacional de Segurança para conter as manifestações, o Ministro da Justiça
mostrou que o governo federal insiste em tratar os movimentos sociais como
assunto de polícia. As notícias sobre o monitoramento de militantes feito pela
Polícia Federal e pela ABIN vão na mesma direção: criminalização da luta
popular.
Esperamos que essa reunião marque uma mudança de postura do governo
federal que se estenda às outras lutas sociais: aos povos indígenas, que, a
exemplo dos Kaiowá-Guarani e dos Munduruku, tem sofrido diversos ataques por
parte de latifundiários e do poder público; às comunidades atingidas por
remoções; aos sem-teto; aos sem-terra e às mães que tiveram os filhos
assassinados pela polícia nas periferias. Que a mesma postura se estenda também
a todas as cidades que lutam contra o aumento de tarifas e por outro modelo de
transporte: São José dos Campos, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro,
Salvador, Goiânia, entre muitas outras.
Mais do que sentar à mesa e conversar, o que importa é atender às
demandas claras que já estão colocadas pelos movimentos sociais de todo o país.
Contra todos os aumentos do transporte público, contra a tarifa, continuaremos
nas ruas! Tarifa zero já!
Toda força aos que lutam por uma vida sem catracas!
Movimento Passe Livre São Paulo
24 de junho de 2013
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