
O sistema econômico e social que
emergiu após a Segunda Guerra Mundial e até inícios dos anos 1970, em grande
parte da Europa Ocidental, EUA e Japão, foi responsável por uma estabilidade
que representou um incremento do bem-estar e aumento da riqueza em todos esses
países. Durante o período, além do aumento do bem-estar e altas taxas de
crescimento econômico, a democracia e o Estado de Bem-Estar Social foram
consolidados e o Estado estimulou o desenvolvimento da atividade produtiva
através de empréstimos e investimentos de longo prazo.
Esses investimentos, em cada
país, coordenados pelos Estados nacionais, embora assumissem alguns aspectos
mais específicos, tinham como principal característica o processo de regulação
do Estado no que tange à política macroeconômica, ou seja, uma decisiva
intervenção do Estado na economia, com o objetivo de garantir o equilíbrio no
campo econômico e a paz social no terreno político. Essas singularidades se
manifestavam em diferenças no padrão dos gastos públicos, na organização do
sistema de bem-estar social e na presença maior ou menor do Estado nas decisões
econômicas.
Desse modo, o complexo de
arranjos institucionais e corporativos se constituiu na essência do que veio a
ser denominado compromisso fordista e foi o principal ponto de apoio de sua
estruturação. Vale dizer, Estado, grandes corporações e sindicatos passaram a
ser a nova base desse regime de acumulação que se caracterizava pela produção
em massa de bens padronizados e em série. Nos anos recentes, no entanto, as
grandes organizações industriais que, em alguma medida, representavam a força
do trabalho organizado foram ficando, paulatinamente, obsoletas. Competição
global, recessão e incertezas econômicas crescentes, em alguma medida, colocaram
em crise o sindicalismo e as bases institucionais nas quais ele se desenvolveu.
Essas mudanças têm trazido
enormes desafios para a ação sindical. As respostas a essa questão, bem como a
compreensão de seu significado para a atuação dos trabalhadores não é
consensual, sendo fonte de debates em âmbitos diversificados da sociedade.
Em linhas
gerais, pode-se dizer que os obstáculos à atividade sindical se colocam,
principalmente, em decorrência de que, historicamente, as ações trabalhistas
sempre se pautaram pela demanda de acesso a bens e/ou poder públicos e privados
para o trabalhador nacional. Por isso, o sindicato tem encontrado muitas
dificuldades para enfrentar a chamada revolução microeletrônica e o fenômeno de
globalização da sociedade. Nesse processo, o que se tem observado é que as
reivindicações, muitas vezes, se espraiam, do nível econômico e/ou político
para a sociedade como um todo e, de outra parte, em muitos casos, muda do
âmbito nacional, tanto para a esfera local quanto em direção à esfera global.
Além disso, nesses últimos anos,
alterações no mundo do trabalho têm trazido profundas conseqüências para a ação
sindical e tendo como um dos seus principais resultados – além do aumento
significativo do desemprego – o crescimento de uma legião de empregados
precários, parciais, temporários etc. Neste início do século XXI, observa-se
que esses trabalhadores estão se tornando parte cada vez mais significativa da
economia. Esse é, pois, um obstáculo adicional ao trabalho organizado. De certa
forma, a questão do trabalho hoje reafirma elementos que marcaram sua
centralidade na explicação do social no século XX, ampliando seu escopo na
compreensão da sociabilidade humana e das possibilidades de futuro.
O
assalariamento, que caracterizou a relação capital/trabalho durante largo
período, criou as condições de agregação de direitos sociais aos contratos de
trabalho. Já a flexibilidade propiciada pela revolução tecnológica,
representada pela informatização e a telemática, desterritorializou a produção
e o trabalho, internacionalizando os mercados, desorganizando identidades
coletivas fundadas no local, no regional, no nacional. O "local" é
ressignificado dentro dos nós de uma sociedade em rede, na qual atuam empresas,
Estados e trabalhadores.
As
empresas, por vezes, atuam globalmente, acima dos Estados nacionais. De outra
parte, tentam adequar suas políticas na atração de investimentos e procuram se
inserir no processo de internacionalização, percebido como inexorável e sem
volta. A noção de "desenvolvimento nacional" vinculado à
industrialização é "superada" pela necessidade de inserção produtiva
a redes globais. Ser competitivo significa ter menores custos e acompanhar as
inovações tecnológicas. Menores custos representam o corte de trabalho vivo, ou
no caso da produção trabalho-intensivo, procurá-lo onde é mais barato.
Desse
modo, os assalariados são os mais afetados pela nova ordem econômica mundial.
Ganhos sociais resultantes de lutas de um século são perdidos em nome da
competitividade global. Os trabalhadores, enquanto atores coletivos, perdem
importância na mudança social, por sua fragmentação, dispersão geográfica e
crescente vulnerabilidade social. As utopias perdem força. Assim, novos
desafios são colocados à ação coletiva exigindo um repensar do trabalho em suas
novas-velhas formas e em sua complexidade.
No
caso brasileiro, que não fugiu à regra em termos das transformações, é
importante discutir a lógica das ações sindicais no novo contexto da realidade
do trabalho, considerando diferentes ramos e setores econômicos bem como
regiões do país, tendo em vista avaliar a presença de mudanças nas estratégias
e implicações para os trabalhadores. Como se configura, pois, a situação no
Brasil no que tange às novas estratégias e formas de ação sindicais? Qual o grau
de representatividade das instituições sindicais?
O
cenário que se constrói propõe algumas questões: qual o lugar do trabalho na
sociedade do século XXI, comparando-se com a realidade do século XX? Qual a
efetiva possibilidade do desenvolvimento econômico promover o crescimento do
emprego no Brasil vis-a-vis o quadro internacional de crescimento sem aumento
de empregos? É possível pensar em desenvolvimento social que, escapando de
preocupações meramente econômicas, garanta proteção à sociedade e aos trabalhadores
para além de seus vínculos de trabalho? Estariam os trabalhadores e sindicatos
preparados para enfrentar os marcos trazidos pela flexibilização, agora
possivelmente chancelada em termos legais? Qual o papel do governo no que se
refere à proteção aos trabalhadores e benefícios diretos (e indiretos) não mais
vinculados somente à formalização do mundo do trabalho, que lhes dê mais
segurança em um quadro de crescente instabilidade? Quais os limites e as
possibilidades das práticas empresariais em um cenário em que a empresa assume
papel de destaque não só em termos produtivos e competitivos, mas também em
termos de preocupações sociais e competindo, por vezes, com a ação sindical nos
locais de trabalho? Como se desenvolverá a relação entre sindicatos e Estado no
contexto de um governo oriundo do movimento sindical?
Em
resumo, é importante analisar, de um lado, as novas características do trabalho
e o perfil da classe trabalhadora que o ciclo recente da economia mundial e
brasileira está a demandar, buscando analisar as implicações sociais que daí
decorrem. Por outro lado, discutir o momento atual no qual são formuladas
propostas de mudanças na legislação sindical e trabalhista, arenas nas quais os
atores políticos estão articulados para defender os seus interesses, bem como
os possíveis impactos concretos das mesmas. Analisar a relação entre Estado e
movimento sindical, que na atual conjuntura apresenta características
particulares tendo em vista a ampla presença de sindicalistas no interior do
aparelho de Estado. E, por fim, refletir sobre a articulação do movimento
sindical com os outros movimentos sociais diante de questões que afetam
significativos setores da sociedade, como o desemprego, a precarização do
trabalho, o tema do trabalho infanto-juvenil, gênero, informalidade,
terceirização, exclusão, imigração, pobreza, bem como estratégias sindicais
voltadas ao desenvolvimento regional e local em seus respectivos territórios.
É,
nesse sentido, que ganha relevância a discussão e reflexão sobre esses fenômenos
contemporâneos e seus impactos na realidade brasileira.
Iram Jácome
Rodrigues é professor do Departamento de Economia e do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da USP.
Jacob Carlos
Lima é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de
São Carlos (Ufscar).
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